segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ANNA BOLENA – Liceu, Barcelona, Janeiro de 2011

(Review in English below)

Uma Anna Bolena de ouro no Liceu de Barcelona!

Anna Bolena é uma ópera de Gaetano Donizetti, com libreto de Felice Romani, sobre a condenação à morte por Henrique VIII de Ana Bolena, sua segunda mulher, para se casar com Jane Seymour.


Em Windsor, Jane Seymour (Giovanna) sente-se culpada por manter um romance com o rei Henrique VIII (Enrico). Este diz-lhe que irão casar-se em breve. Ana Bolenna (Anna), rainha e segunda mulher de Henrique VIII, pede a Smeton (um músico da corte que está secretamente apaixonado por ela) uma canção que a faça lembrar Lord Percy, o seu primeiro amor, exilado pelo rei. O rei quer incriminar Percy como amante da rainha e manda-o regressar. Percy tenta suicidar-se depois de reafirmar o seu amor a Anna e esta o rejeitar. Quem o detém é Smeton que tinha consigo um retrato de Anna, que deixa inadvertidamente cair e que serve de pretexto para o rei afirmar a traição. Presa na torre de Londres, Anna tem um confronto com Giovanna em que esta lhe confessa que é ela a nova amante do rei e será a futura rainha. Depois da condenação, Anna perdoa-a, culpando apenas o rei. Os pedidos de Percy e de Giovanna para salvar Anna são ignorados pelo rei. Enquanto aguarda a execução, Anna recorda o seu primeiro amor, alternando momentos de lucidez e de delírio. O terceiro casamento do rei é anunciado e Anna é morta.

Anna Bolena foi a ópera representada na inauguração do Gran Teatre del Liceu em Barcelona em 17 de Abril de 1847.


A encenação do espanhol Rafael Duran é intemporal, simples e eficaz. O cenário, algo minimalista, tem 3 patamares, unidos por uma grande escadaria central. A cor dominante, chão e paredes, é o dourado, a condizer com a beleza da sala. Durante o espectáculo, os níveis mais elevados por vezes são cobertos por um painel de ripas de madeira, que desce, no qual são projectadas imagens que também se vêem no nível mais baixo em dois conjuntos de quatro grandes ecrans situados em cada lado do cenário, onde se projecta a acção em palco vista de quatro ângulos diferentes. Como nos sistemas de vigilância actuais, tudo pode ser controlado a partir deles (e o rei fá-lo explicitamente no 1º acto) mas, quando o rei está com a amante Giovanna, a sua privacidade é garantida porque passam a ser projectadas imagens de peixes num lago.

(Algumas fotografias são do site do Liceu, Barcelona)


A contrastar com o dourado do palco e dos vestidos das protagonistas estão omnipresentes, desde o início, vários corvos negros (máscaras inspiradas no surrealista Max Ernst), numa alusão à Torre de Londres (e ao 1984 de Orwell) onde Anna irá ser decapitada. O efeito cénico é fantástico. Ao longo da récita aparecem também vários cães (estes verdadeiros) pela mão de caçadores, trajados a rigor.
Na cena final, o dourado do palco dá lugar às grades negras do cárcere de Anna, com os elementos do coro também de negro, noutro momento cénico de belo efeito.










O coro esteve bem e a orquestra teve uma boa prestação, dirigida pelo maestro ucraniano Andriy Yurkevych, que foi vaiado no final, não tendo eu entendido porquê.

Anna Bolena foi interpretada pelo soprano eslovaco Edita Gruberova. É uma cantora ímpar que só tem paralelo em Plácido Domingo se considerarmos a associação longevidade - qualidade vocal. A senhora tem 64 anos mas continua a cantar estes papéis dificílimos com um assombro estarrecedor. Não concordo com os que dizem que a voz está danificada pela idade. No registo mais grave não tem (nunca teve) uma voz marcante, mas não é por essas curtas notas que a vamos ouvir. Nos agudos e sobreagudos a voz é imaculada e de potência e beleza assombrosas. Sempre audível sobre a orquestra, a coloratura é fantástica e os pianissimi são do outro mundo. Há ainda a salientar a óptima interpretação dramática da personagem.

Na ária Al dolce guidami, de uma beleza interpretativa arrepiante, ofereceu-nos cascatas de notas agudas que parecem inatingíveis à voz humana e levou o público ao delírio, com uma estrondosa ovação recheada de bravos e outras manifestações de agrado de vários minutos, como raramente assisti ao vivo. E, no final, já depois dos agradecimentos, à chamada constante do público, voltou várias vezes ao palco, onde foi presenteada com chuvas de flores. Uma diva também no Liceu.


(Edita Gruberova)

E se a Gruberova foi assim, o mezzo-soprano letão Elina Garanca foi responsável por outra interpretação, de Giovanna Seymour, absolutamente excepcional. Desde que a ouvi como Romeu em I Capuleti e i Montecchi tornei-me um admirador incondicional e nunca me decepcionou.
A voz é poderosa e de uma beleza e musicalidade invulgares. A técnica é exímia e, no belcanto, é prodigiosa. A figura, bela, alta e loira, ajuda muito. Fez uma Giovanna apaixonada mas corroída pelo remorso perante a rainha.
O dueto com Gruberova no início do 2º acto O mia Regina! foi emocionante e inesquecível, com as duas cantoras a levarem a um nível superlativo as suas qualidades cénicas e vocais.

(Elina Garanca)

Já escrevi anteriormente neste blogue que não gosto da voz de José Bros, tenor catalão, que interpretou Percy. Mantenho essa opinião apesar de ter assistido aqui à sua melhor interpretação. Mas a voz é muito fina, pouco ágil e o cantor parece que canta com a boca fechada. Não soa bem e, cenicamente, também não lhe reconheço grande desempenho. Estava em casa (é de Barcelona) e foi muito aplaudido, mas continua sem me convencer.

Carlo Colombara, baixo italiano, foi Enrico. Seguro na voz e credível como rei tirano, não tem uma potência equiparável às duas protagonistas, mas não deixou de se ouvir e manteve a qualidade ao longo da récita.

O contralto italiano Sonia Prina deu boa conta no papel de Smeton. A voz é bem timbrada, firme e cheia.



Mais um excelente espectáculo em Barcelona, um daqueles em que a magia da ópera se sentiu em pleno! Recomenda-se vivamente!
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ANNA BOLENA – Liceu, Barcelona, Janeiro de 2011
A golden Anna Bolena at the Liceu in Barcelona!

Anna Bolena is an opera by Gaetano Donizetti, libretto by Felice Romani, on the sentencing to death by Henry VIII to Anna Bolena, his second wife, to marry Jane Seymour.

In Windsor, Jane Seymour (Giovanna) feels guilty for keeping an affair with King Henry VIII (Enrico). He tells her that they will marry soon. Anna Bolena (Anna), the Queen and the second wife of Henry VIII asks Smeton (a court musician who is secretly in love with her) to play a song that reminds her of Lord Percy, her first love, exiled by the king. The king wants to incriminate Percy as the Queen's lover and orders his return. Percy tries to kill himself after reaffirming his love for Anna as she rejects him. Smeton avoids it and drops a picture of Anna, what serves as a pretext to assert the king's betrayal. Stuck in the Tower of London, Anna has a confrontation with Giovanna in that she confesses that she is the new mistress of the king and that she will be queen in the future. After a confrontation, Anna forgives her, blaming only the king. Requests from Percy and Giovanna to save Anna are ignored by the king. While awaiting execution, Anna recalls her first love, alternating moments of lucidity and delirium. The king's third marriage is announced and Anna is dead.

The opera Anna Bolena was performed at the inauguration of the Gran Teatre del Liceu in Barcelona on April 17, 1847.

The staging of the Spanish Rafael Duran is timeless, simple and effective. The scenario, somehow minimalistic, has three floors, connected by a large central staircase. The dominant colour, floor and walls, is golden yellow, matching the beauty of the room. During the performance, the higher floors are sometimes covered by a panel of wooden strips, which descends, and in which images are projected that are also projected at the lowest floor in two sets of four large screens situated on each side of the scenario, where the action on stage is projected from four different angles. As modern security systems, everything can be controlled from them (and the king does it explicitly in the 1st act), but when the king is with his mistress Giovanna, his privacy is assured since the projected images change to golden fish in a lake.
In contrast with the golden stage and the dresses of the actresses, everywhere, from the beginning, several black crows are always present (masks inspired by the surrealist Max Ernst), alluding to the Tower of London (and Orwell's 1984) where Anna will be beheaded . The scenic effect is fantastic. Throughout the performance, several dogs (these live ones) also appear by the hand of hunters, dressed accordingly. In the final scene, the golden stage gives way to the bars of the black prison where Anna is, with the elements of the choir also in black, another moment of beautiful scenic effect.

The choir and the orchestra had a good performance, conducted by Ukrainian maestro Andriy Yurkevych, who was booed at the end, I did not understand why.

Anna was interpreted by the Slovak soprano Edita Gruberova. She is a unique singer that is only comparable to Placido Domingo considering the association longevity – quality of voice. The lady is 64 but still sings these extremely difficult roles with an astonishing quality. I do not agree with those who say that her voice is damaged by age. In the lower notes she does not have a remarkable voice (she never had), but we do not go to hear her for those short notes. In the high and extreme high register, her voice is divine and of breathtaking beauty and power. Always audible over the orchestra, the coloratura is fantastic and the pianissimi are above human capacities. I also highlight the great dramatic interpretation of the character.
In the aria Al dolce guidami , she offered us a beautiful interpretation, with cascades of top notes that seem unattainable to the human voice. The audience became wild with a thunderous ovation filled with bravos and other expressions of satisfaction during several minutes, something that I rarely watched live. And in the end, after curtain calls were over, responding to the constant call of the public, she returned repeatedly to the stage where she was presented with lots of flowers. A Diva also in the Liceu.

And if Gruberova was as I described, Latvian mezzo-soprano Elina Garanca was responsible for another absolutely exceptional interpretation, as Giovanna Seymour. Since I heard her as Romeo in I Capuleti e i Montecchi I became an unconditional admirer and she never disappointed me.
The voice is powerful and of unusual beauty and musicality. The technique excels and in belcanto, she is prodigious. The figure, tall, beautiful and blonde, helps a lot. She played a passionate Giovanna consumed by remorse before the queen The duet with Gruberova at the beginning of Act 2 O mia Regina! was exciting and unforgettable, with the two singers bringing to a superlative level their artistic and vocal qualities.

I've written before in this blog that I do not like the voice of José Bros, a Catalan tenor, who played Percy. I maintain that opinion despite having seen his best performance here. But his voice is very thin, not flexible and the singer seems to sing with the mouth closed. He does not sound attractive, and artistically, he is not also a great performer. He was at home (he is from Barcelona) and was much applauded, but he still did not convince me.

Carlo Colombara Italian bass, was Enrico. He showed a steady voice and he was artistically credible as the unfair king, although his voice is not comparable in power to the two protagonists. But he maintained the quality throughout the performance.

Italian contralto Sonia Prina was very good as Smeton. The voice is pleasant, firm and full.

Another excellent performance in Barcelona, one in which the magic of opera was felt in full! I strongly recommend it!

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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Concerto de Aniversário de Plácido Domingo – Teatro Real, Madrid - 21 Janeiro 2011



Como já todos sabem, Plácido Domingo fez 70 anos no passado dia 21 de Janeiro.

Tive a oportunidade de comparecer no Concerto de Aniversário no Teatro Real de Madrid.


Com programa só conhecido minutos antes – entregue em mão a todos os que entravam – acabei por ficar um pouco desiludido. Tinha metido na cabeça que Domingo também iria cantar e participar na festa mas, ao passar os olhos no programa, vi que isso não iria acontecer. De certo modo compreendia-se. Era um concerto para Domingo. Era ele o aniversariante. Mas custa tanto tê-lo do lado de espectador e não de intérprete... E acho que para ele também foi um pouco custoso não saltar para o palco (mas não podia deixar a Rainha sozinha no camarote Real...).



Interiorizado este pensamento, olhei com maior pormenor para os nomes que iriam cantar. Confesso que esperava 2 nomes: Rolando Villazon e Anna Netrebko. Villazon, embora com o seu Werther como encenador em Lyon, uma vez que raramente canta hoje em dia, talvez pudesse estar presente... Nem vi se Anna Netrebko estaria a preparar algo e por isso o sonho de a ver de novo ao vivo foi sendo alimentado... Tive igualmente pena de não ver Waltraud Meier, grande companheira de Domingo nas suas interpretações wagnerianas....




Mas outros nomes estavam presentes. Estiveram todos a um nível superlativo e, juntamente com James Colon e a excelente Orquestra do Teatro Real, conseguiram criar um ambiente familiar, descontraído, mas musicalmente profissional e de qualidade muito próxima da perfeição.

O grande Bryn Terfel, em excelente momento vocal, presenteou-nos com o dueto dos Pescadores de Pérolas, com Paul Groves e com um Te Deum da Tosca, ao seu mais elevado nível. De arrepiar!





Angela Denoke foi uma Kundry muito íntima, Anja Kampe uma Sieglinde apaixonada.





Que surpresa ouvir ainda Juan Pons com tal qualidade como Iago.



Dolora Zajick esteve sublime e conquistou talvez o maior aplauso.



Rene Pape foi perfeito na ária “Ella giammai m’amò”!



O momento mais cómico veio por Erwin Schrott como Leporello na ária “Madamina, il catálogo è questo”. Aparece com uns óculos de “ver ao perto” e com o programa na mão que tinha a cara de Domingo na capa. Lá foi inumerando as donzelas como se fosse o catálogo de Domingo. Excelentes os seus grunhos e insinuações vocais sobre “voi sapete quel che fa”...



O estilo pessoal de Tan Dun ressoou no Teatro com a sua composição de aniversário para o grande amigo Plácido. Pla-ci-do (Lá Si Dó...). Diferente, interessante, original. Mais um grande nome na plateia.

A grande surpresa foi o aparecimento de Tereza Berganza que tantas vezes contracenou com Domingo. Com discurso sentido e cómico, esteve soberba ao cantar “Happy birthday” a Domingo como Marylin Monroe o fez para Kennedy... Atrevida mas com classe...

Projeções em palco de Domingo (mais novo), cantando com Madrid como fundo e cantando com a sua Mãe ajudaram a emocionar os espectadores e o próprio Domingo.

Que conte muitos mais... Que chegue aos 80 como disse na varanda do Teatro... Que Deus lhe dê mais uns anos de carreira e que possamos todos ouvi-lo, e continuar a descobrir, na sua Voz, na sua Vida, no seu Amor à Música, a inspiração para o nosso próprio caminho terreno.





Plácido Domingo's Anniversary Concert - Teatro Real, Madrid - 21 January 2011





As everyone knows, Placido Domingo made 70 years of age on 21 January.


I had the opportunity to attend the Anniversary Concert at the Teatro Real de Madrid.


The program was only revealed minutes before the concert, and I ended up getting a little sad. I had imagined, in my head, that Domingo would also sing and join the other singers on stage but, glancing at the program, I saw that this would not happen. In a way I understood. It was a concert for Domingo. He was the birthday man. But it costs so much to have him on the audience side and not as a performer ... He might have thought to jump from the Royal box to the stage but he could not leave the queen alone...



After accepting this fact, I looked to the program in more detail. I confess that I waiting to see two names: Anna Netrebko and Rolando Villazon. Villazon, albeit his debut as stage director in Lyon, with Werther, as he rarely sings these days, maybe he could have been there ... I did not check if Anna Netrebko was preparing any role for an opera house and so the dream to see her live again was still on ... I also regret not having seen Waltraud Meier, a great companion on his Wagner interpretations...






But other names were present. They were all at a superlative level and, along with James Colon and the excellent Orchestra of the Teatro Real, managed to create a family atmosphere, relaxed, but musically professional, and with a quality very close to perfection.


The great Bryn Terfel, currently in excellent voice, presented us with the Pearl Fishers duet with Paul Groves and a Te Deum from Tosca at his highest level. Superb!







Angela Denoke’s Kundry was very intimate, and Anja Kampe was a passionate Sieglinde.






What a surprise to hear Juan Pons as Iago in an excellent level for his age.





Dolora Zajick was sublime and won perhaps the biggest applause.





Rene Pape was perfect in the aria "Ella giammai m'amò!





The most humorous moment came for Erwin Schrott as Leporello in the aria "Madamina, il catalogo è questo". He appeared with glasses on one hand and the program with Domingo’s photo one the other. And he kept innumerating the maidens as if they were Domingo’s (with respect, of course). He was fantastic wiht his insinuations singing "Voi sapete quel che fa”...





The personal style of Tan Dun resonated in the theater with his composition for the anniversary of his great friend Plácido. Pla-ci-do (La Ti Do...). Different, interesting, original. Another big name in the audience.

The biggest surprise was the appearance of Teresa Berganza who often appeared with Domingo in so many performances. With a humorous and heartfelt speech, she was superb singing "Happy birthday" to Domingo as Marilyn Monroe did it for Kennedy ... Sassy but classy ...


Projections on the stage of a younger Domingo singing, with Madrid as background, and in a different situation with his mother by his side, helped to thrill spectators and Domingo himself.

I hope he counts much more years of life... I hope he gets to 80, as he whished on the balcny of the Theatre ... May God give him a few more years of career and that we can all hear him, and continue to discover in his Voice, in his Life, in his love for the Music, the inspiration for our own earthly journey.




segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Mahler – Sinfonia Nº 9, Gustavo Dudamel e Orquestra Filarmónica de Los Angeles, Fundação Gulbenkian, Janeiro de 2011


Mais uma vez, um concerto de excepção foi-nos proporcionado pela Fundação Gulbenkian.

Não pensava comentá-lo, dado que habitualmente só o faço sobre espectáculos em que o canto é parte integrante, mas a minha indignação sobre o que se passou no final, levou-me a escrever esta nota.

A expectativa era grande, tal como a fama dos protagonistas. O preço pago por cada bilhete (65 €) não é habitual na Gulbenkian, mas também aqui os tempos são outros. Juntou-se uma tríade que nos proporcionou um espectáculo de invulgar qualidade: Mahler, Dudamel e Orquestra Filarmónica de Los Angeles.

A música de Mahler é única. Para admiradores incondicionais, entre os quais me incluo, chega a tocar o divino, como é o caso, na 9ª Sinfonia, do quarto andamento.


Foi a primeira vez que vi Dudamel ao vivo. Estava mesmo muito próximo e reconheço que dirige a orquestra de forma diferente e única, que entusiasma qualquer um. A sua fotografia divulgada no site da Gulbenkian, que aqui reproduzo, retrata-o fielmente. É de tal modo explícito que tudo o que vai acontecer, em termos orquestrais, se anuncia e percebe claramente.


A obra foi tocada em crescendo, cada andamento mais marcante que o anterior. O quarto é, para mim, um dos mais belos trechos musicais escritos pela mão humana. A interpretação foi sublime, o silêncio final arrebatador.

Lamentavelmente, não posso deixar de mencionar o comportamento de alguns elementos do público que, na parte mais emotiva da obra, no final do quarto andamento, não hesitaram em tossir repetidamente, quebrando a solenidade do momento! Quem está doente ou quem tem tosses histéricas incontroláveis não deveria ir a estes espectáculos. Há sempre a alternativa das transmissões televisivas ou dos CDs e DVDs que poderão ser vistos em casa. Aí podem tossir alarvemente, sem prejudicar os outros, incluindo os músicos. Neste concerto, talvez Deus lhes perdoe o mal que fizeram, eu não consigo!

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sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Plácido Domingo faz 70 anos, hoje! Parabéns, Domingo!



Plácido Domingo faz hoje 70 anos! O tenor dispensa apresentações, sendo provavelmente o maior mito da Ópera ainda vivo e ainda no activo. Para mim é-o claramente e é e continua a ser a minha referência.

Nascido em Madrid a 21 de Janeiro de 1941, no seio de família de músicos e gente do teatro, com apenas 8 anos de idade partiu para o México onde os pais criaram uma companhia de zarzuela. Cedo desenvolveu o gosto pela música, a par com o do futebol, aprendendo piano e vivenciando o dia-a-dia da companhia, assimilando todas as suas vertentes, acompanhando os recitais da mãe e participando em pequenos papéis de barítono.

Entrou para o Conservatório Nacional do México com 14 anos de idade para estudar piano e direção de orquestra mas a voz foi mais forte.

Estreou-se em Ópera como Alfredo de “La Traviata” em Monterrey, Viena conheceu-o em 1967, o Metropolitan de Nova Iorque viu-o estrear-se em 1968 (“Adriana Lecouvreur”), seguindo-se o Teatro alla Scala no ano seguinte, a Royal Opera House em 1971, e isto só para mencionar os teatros preferidos dos Fanáticos... Com mais de 130 papéis operáticos interpretados, mais de 100 gravações, acumulou cargos de direcção da Washington National Opera e Los Angeles Opera com récitas como cantor e como maestro. Em 2009 abarcou a aventura de cantar um papel de barítono – Simão Boccanegra, levando-o com grande mestria aos principais teatros de ópera da Europa. Em 2010 cantou Rigoletto em produção para a RAI e estreou-se no papel de Pablo Neruda, em ópera escrita para si por Daniel Catán.

O seu lema “If I rest, I rust” (“se descanso, enferrujo”) e o seu amor pela Ópera, pela Música, pela Vida permitiram-lhe construir uma carreira cheia de sucessos, cheia de vitórias, até mesmo sobre a doença que o assombrou (por semanas...) no ano passado.

O meu gosto a sério por Ópera iniciou-se em 1999, muito da responsabilidade do FanáticoUm. Apaixonado por Wagner desde o início devido à unidade e sentido estético das suas obras, conferida pelo leitmotive, a tentação de ouvir Domingo nos papéis wagnerianos foi grande. Recordo-me de ouvir a produção de 2000 do anel em Bayreuth pela Antena 2, em particular A Valquíria, e de a gravar nas antigas cassetes, ouvindo-a vezes sem conta. Talvez a sua melhor interpretação de Siegmund de sempre, acompanhado de Waltraud Meier como Sieglinde, com a direção do grande Sinopoli. O seu Parsifal da matiné de 7 de Abril de 2001 no Met, com Violeta Urmana e John Tomlinson, é absolutamente sublime e o Met soube reconhecê-lo ao colocar a récita disponível no seu site. Confesso que inicialmente me fez confusão a sua interpretação porque estava habituado ao timbre de Rene Kollo, da gravação de Solti, mas quem consegue resistir ao seu 2º acto, ao seu dueto com Kundry? A emoção transferida pela voz é marcante e acredito que, quem tenha tido a oportunidade de assistir ao vivo, guarde esta récita num cantinho especial do seu coração.

O ano de 2005 trouxe-me a oportunidade de o ouvir pela primeira vez ao vivo. Foi em A Valquíria na Royal Opera House, a 11 de Julho, rodeado de grandes nomes como Waltraud Meier e Bryn Terfel. A primeira vez que o vi foi antes de entrar na stage door. Chegou num BMW bordeau (a única vez que o vi chegar a Covent Garden sem ser a pé...) e consegui o tão esperado autógrafo. Ainda guardo a caneta com que me assinou o programa. Recordo com felicidade essa viagem e esses momentos, embora não tenha feito muito bem o esperado final do 1º acto.

Como Siegmund, assisti ainda às suas récitas nos ciclos do mesmo Anel em Londres em Outubro de 2007, a primeira em lugar pouco privilegiado mas, sem dúvida a melhor interpretação ao vivo que o vi fazer no papel:







Seguiram-se apenas mais duas récitas, em versão de concerto em Maio de 2008 em Barcelona, as quais marcaram a última vez que o vi ao vivo no papel.




Em Maio de 2006 foi a vez de o ouvir como Cyrano na estreia na Royal Opera em duas récitas diferentes.







Para Fevereiro de 2007 consegui, a muito custo e pelo telefone, bilhetes para o seu Cyrano no Palau des Arts situado na moderna Cidade das Artes e das Ciências em Valência. Sublime acústica e interpretação memorável!




O Teatro du Chatelet, em Paris, em Maio de 2009, acolheu-me nas suas duas últimas récitas no papel num país Europeu. A primeira das duas récitas a que assisti foi simplesmente fenomenal do ponto de vista vocal e dramático, e gostava que tivesse sido a última em que o tivesse ouvido neste papel.











Dois dos meus maiores desgostos em relação a Domingo eram, até Março de 2009, o facto de nunca o ir poder ouvir como Otello e Parsifal. Mas Domingo parecia que sabia que tinha de me conceder essa experiência antes de abandonar por completo o papel e assim, em Berlim, reduzi a 50% os meus desgostos e ouvi o seu último Parsifal de sempre, mais uma vez ao lado de Waltraud Meier. Embora com uma encenação pouco feliz, o 2º acto foi tudo o que eu esperava e que tanto tinha ansiado por ver. Vejam só a sorte que tivemos: até os quatro lugares da fila da frente à nossa, na plateia, não foram ocupados por ninguém, impedindo assim que algum cabelo no ar ou cabeça de tamanho anormalmente grande me impedisse de ter uma visibilidade total do palco. No 3º acto foi visível o seu cansaço por momentos e aí compreendi a razão porque havia decidido em 2006 deixar de o interpretar...





Em relação ao Otello mantenho o meu desgosto... Como gostava de ter estado presente na récita imortalizada em DVD do Met em 1996 com Renee Fleming como Desdemona e James Morris como Iago... É a referência moderna neste papel! Enfim... ouvi o dueto com Desdemona (Virgínia Tola) quando veio cantar a Lisboa no Pavilhão Atlântico em 2006 mas não foi a mesma coisa...

Simão Boccanegra é, até agora, o 4º papel que o vi fazer ao vivo, em Berlim, Londres e Madrid. Muito está escrito neste blog sobre as minhas experiências em relação a estas récitas e penso que aqueles que as leram conseguem ver o quanto significaram para mim e como me marcaram emocionalmente.


Domingo apadrinhou a minha estreia na Royal Opera House, Palau des Arts – Valência, Teatro del Liceu, Staatsoper Unter den Linden – Berlim e Teatro Real de Madrid. É neste último, na sua cidade natal, que hoje, e se Deus o permitir, estarei presente no Concerto dos seus 70 anos.



Placido Domingo is 70 years-old today! Happy Birthday, Domingo!
Placido Domingo is 70 years-old today! The tenor is probably the biggest myth of the Opera still alive and still in action. For me this is clear and he is still my benchmark in Opera.

Born in Madrid on January 21, 1941, within a family of musicians and theater people, with only 8 years old he went to Mexico where his parents created a zarzuela company. He soon developed a love for music (along with soccer...), learning piano and living the day-to-day company life accompanying his mother in musical recitals and taking small baritone roles.

He entered the National Conservatory in Mexico with 14 years of age to study piano and conducting, but his voice was stronger, becoming a leading tenor.

He debuted in Opera as Alfredo in La Traviata in Monterrey, Vienna saw him for the first time in 1967, the Metropolitan in New York saw him make his debut in 1968 ("Adriana Lecouvreur"), followed by the Teatro alla Scala in the following year, the Royal Opera House in 1971, and this just to mention the Fanatic’s favourite Opera Houses... With more than 130 operatic roles and more than 100 recordings, he managed the Washington National Opera and the Los Angeles Opera, while keeping his live performances around the world, as a singer and conductor. In 2009, he embraced the adventure of singing a baritone role - Simon Boccanegra, taking it with great skill to the major opera houses of Europe. In 2010 he sang Rigoletto in a production for RAI and debuted in the role of Pablo Neruda in an opera written for him by Daniel Catán.

His motto "If I rest, I rust" and his love for opera, for music, and for life enabled him to build a career full of success, filled with victories, even over the disease that haunted him (for a few weeks...) last year.

My real taste for opera began in 1999, much of the responsibility of FanáticoUm. Fond of Wagner from the beginning due to the aesthetic sense of his works, given by the leitmotifs, the temptation to hear Domingo in the great Wagnerian roles was very high. I remember hearing the 2000 production of the Ring in Bayreuth by Antena 2, in particular The Valkyrie. I did one of those old tape recordings and kept hearing it over and over. Perhaps his best performance of Siegmund ever, accompanied by Waltraud Meier as Sieglinde, with the direction of the great Sinopoli. His Parsifal's matinee of April 7, 2001 at the Met, with Violeta Urmana and John Tomlinson, is absolutely sublime and the Met learned to recognize it by putting the audio performance available on its website. I confess that I initially disliked his interpretation since I was used to the timbre of Rene Kollo in the Solti’s recording; but who can resist his Act 2, his duet with Kundry? The emotion in his voice voice is outstanding and I believe that anyone who has had the opportunity to watch this performance live, saves it in a very special heart place.

The year 2005 brought me the opportunity to hear him live for the first time. It was in The Valkyrie at the Royal Opera House, July 11, surrounded by big names such as Waltraud Meier and Bryn Terfel. The first time I saw him was before entering the stage door. He arrived in a bordeaux BMW (the only time I saw him coming to Covent Garden by car and not walking...) and achieve the long-awaited autograph. I still have the pen with which he signed the program. I remember with joy this trip and these moments, although the much anticipated end of the first act was not very well performed.

As Siegmund, I also attended to his performances in the cycles of the same Ring production, in London, October 2007. The first one, in a not so good place was, without doubt, the best live performance I saw him do on this role.







This was followed by two recitations, in concert version, May 2008, in Barcelona, which marked the last time I saw him live on this role.




In May 2006 it was time to hear him twice as Cyrano at the Royal Opera.







For his Cyrano at the beautiful Palau des Arts in the modern City of Arts and Sciences in Valencia, February of 2007, I got tickets with great difficulty and by telephone. Sublime acoustic and a memorable interpretation!




The Theatre du Chatelet in Paris, May 2009, took me in his last two performances of this role in a European country. The first of the two that I attended was just phenomenal in terms of vocal and dramatic tension, and I wish it had been the last one in order to keep it as perfect in my memory.











Two of my biggest disappointments with Domingo, until March 2009, were the fact of never being able to hear him as Otello and Parsifal. But Domingo seemed to know that he had to give me this experience before completely abandoning the paper and so, in Berlin, I heard his last Parsifal ever, again next to Waltraud Meier. Although with a poor staging, the 2nd act was everything I expected and thatI had been longing to see. Look at the luck we had: the four-row seats in front of us in the audience were not occupied by anyone, thus preventing any hair in the air or head of abnormally large size of cutting me the full visibility of the stage. In the 3rd act, Domingo was visibly tired in someof the passages and I understood why he had decided to stop performing this role in 2006.





Regarding Otello I keep my disgust in progress... I wish I had been at the immortalized on DVD production from the Met in 1996 with Renee Fleming as Desdemona and James Morris as Iago ... Domingo is the modern reference in this role! Anyway ... I heard the duet with Desdemona (Virginia Tola) when he came to sing at the Atlantic Pavilion in Lisbon in 2006 but it was not the same ...

Simon Boccanegra is, until now, the 4th role that I had the priviledge to see him do live in Berlin, London and Madrid. Much is written on this blog about my experiences on these and I think those who read them can see how much they meant to me and marked me emotionally.


It was with Domingo that I made my debut at the Royal Opera House, Palau des Arts - Valencia, Teatro del Liceu - Barcelona, Staatsoper Unter den Linden - Berlin and Teatro Real - Madrid. It is in the latter, in his hometown, today, that I will attend the Concert comemorating his 70 years of life.