terça-feira, 31 de maio de 2011

Der Freischütz (O Franco Atirador) - Liceu, Barcelona - 12 Maio 2011



(review in english below)

Der Freischütz, ou o Franco Atirador, é a ópera mais famosa de Carl Maria von Weber. Não é tão frequentemente encenada quando comparada com outras óperas mas encerra da música mais bonita alguma vez composta no romantismo alemão. Sem ela, a música de Wagner não seria sem dúvida como a conhecemos hoje em dia, dado que foi uma das suas grandes inspirações.

A história passa-se à volta de um concurso de tiro onde o vencedor poderá casar com a filha do Guarda Florestal. Semelhanças posteriores em Wagner? Mestres Cantores? Tannhäuser? :)



Max, apaixonado por Agathe, presentemente em maré de azar em tiro, cede ao diabo ao forjar com a ajuda de Kaspar, na Toca do Lobo, balas mágicas que atingem tudo o que desejar.





Mas a sétima, a última, atinge não o que o atirador quiser mas sim o que Samiel (o diabo) o entender. Kaspar tenta assim comprar mais uns anos entre os vivos, ao oferecer a vida de Agathe no dia do concurso de tiro. Contudo, no dia da prova, a última bala disparada por Max não atinge Agathe mas sim Kaspar, traído pelo diabo. Ao confessar a origem das balas, Max é proibido de casar com Agathe pelo Príncipe Ottokar.



O aparecimento do Ermitão da aldeia, tido como representante de Deus por todos os membros da aldeia, revela-se essencial para a felicidade de Max e Agathe. O ermitão diz que dois corações não podem depender de um tiro para serem felizes. O concurso de tiro (tradição antiga da aldeia) é suspendido para sempre e os amantes poder-se-ão unir, embora apenas após um período de redenção de Max porque, embora por amor e
não maldade, cedeu às tentações do diabo.



Mais uma vez nesta Temporada, o Teatro do Liceu de Barcelona trouxe um elenco sublime para esta produção. Ao contrário do Parsifal em que pude assistir aos dois elencos, aqui apenas assisti ao elenco principal, na noite da estreia.

A encenação é antiga, estando já imortalizada em DVD da casa de Ópera de Hamburgo. É assinada por Peter Konwitschny e, embora seja peculiar nos elementos de palco, num perfil moderno, acaba por permitir visualizar todos os locais onde se passa a acção. Só para dar alguns pormenores, encontramos um elevador vermelho na parte lateral esquerda do palco; quando Agathe canta a célebre ária “Wie nahte mir der Schlumm” uma plataforma com parapeito fica à frente do palco, com diversas luzes simulando um céu estrelado; a pomba branca que Max deve atingir no concurso de tiro é uma lâmpada; a ópera parece acabar, com o encerramento do pano e tudo, até o Ermita, que fica como que assistir à ópera a partir da primeira fila da plateia, e vai intervindo gestualmente até este momento final, fazendo com que a ópera não termine até ele dizer o que tem a dizer; no final todos brindam em festa com champanhe, incluindo o Ermita e Samiel.

Vejam, neste vídeo, a cena da Toca do Lobo...



A estreia foi um sucesso, de uma qualidade vocal e orquestral muito boa, algo a que o Teatro do Liceu já nos habituou.

A orquestra, sob a direcção de Michael Boder, o mesmo maestro que dirigiu o Parsifal, esteve sublime, honrando a música de Weber ao nível celestial que merece.

A única ligação com a produção presente em DVD, além da encenação, foi Albert Dohmen como Kaspar. Com cerca de 10 anos de diferença entre o DVD e esta récita, a sua qualidade vocal e interpretativa manteve-se ao mais alto nível.



Christopher Ventris tem sido a salvação do Liceu nesta Temporada. Depois de substituir, de forma exímia, Simon O’Neill como Parsifal, substituiu agora Peter Seiffert como Max, afastado por doença. O que dizer? Mais uma vez marcou uma récita pela positiva. Em excelente momento vocal, confirmou a sensação que tenho ao ter vindo a assistir aos seus Parsifais desde há alguns anos, o de evoluir francamente na sua capacidade como actor. Fantástico!



Como já tinha visto o DVD antes de comprar os bilhetes, já sabia que o Ermita sentar-se-ia na primeira fila da plateia à esquerda. Comprei então bilhetes na 3ª fila do mesmo lado... Resultado?



Tive Matti Salminen a cantar à distância de 50cm a sua primeira passagem antes de se dirigir ao palco. Que momento! De arrepiar! Apesar da idade, a sua voz ainda é dotada de uma profundidade incrível. Aguardo com antecipação a possibilidade de o ver, finalmente, como Gurnemanz em Zurique, na encenação de Guth que, depois de Barcelona, se estreia na cidade Suiça em Junho-Julho e repete em Outubro deste ano.





Petra-Maria Schnitzer esteve excelente como Agathe. O único defeito a colocar é que, na ária “ Und ob die Wolken sie verhüllen”, os seus pianos no início das frases foram tão piano que praticamente não se ouviram. Mas em nada diminuiu a sua interpretação.



Ofelia Sala foi Ännchen. Extremamente viva e dinâmica, como se pede à personagem, complementou com uma interpretação vocal muito boa.



Os restantes cantores, em papéis menores, e o Coro não desiludiram, equilibrando um conjunto de estrelas que estiveram em sintonia plena nesta noite quente de Barcelona.












Der Freischütz - Liceu, Barcelona - 12 May 2011



Der Freischütz is the most famous opera by Carl Maria von Weber. Not so often staged when compared with other operas, it has the most beautiful music ever composed in German Romanticism. Without it, the music of Wagner would certainly not be as we know it today since it was one of his greatest inspirations.

The story is set around a shooting contest where the winner will marry the daughter of the Ranger. Similarities later in Wagner? Die Meistersinger? Tannhäuser? :)



Max, in love with Agathe, presently on bad luck in shooting, makes an agreement with the the devil forging, with the help of Kaspar, at the Wolf's Lair, magic bullets that hit everything he wants.





But the seventh bullethits what Samiel (the devil) wants. Kaspar tries to buy a few more years among the living, by offering the life of Agathe on the shooting contest. However, on the contest day, the last bullet fired by Max does not reach Agathe but Kaspar, betrayed by the devil. By confessing the origin of the bullets, Max is forbidden to marry Agathe by Prince Ottokar.



The appearance of the Hermit of the village, taken as representative of God for all members of the village, it is essential to the happiness of Max and Agathe. The Hermit says that two hearts can not depend on a shot to be happy. The shooting contest (the ancient tradition of the village) is suspended forever and lovers will be able to join, but only after a period of redemption of Max, who for love and not malice, yielded to the temptations of the devil.



Again this season, the Teatro del Liceu in Barcelona brought a sublime cast for this production. Unlike Parsifal where I could watch the two casts, here I only saw the main cast at the premiere.

The staging is ancient, having been immortalized in DVD by the Opera House in Hamburg. It is signed by Peter Konwitschny and although with peculiar elements on stage, in a modern way, it lets you imagine all the locations where the action is happening. Just to give some details, we find a red lift on the left side of the stage; when Agathe sings the famous aria "Wie mir der naht Schlumm", a platform is set with a window and several lights simulating a starry sky; the white dove that Max tries to shoot at the contest is a lamp; the opera seems to end with the closure of the cloth and all, but is resumed when the Hermit, who watches the opera from the first row of the audience, and intervenes with gestures along the opera, sings his opinion; in the end everyone toasts with champagne in celebration, including the Hermitage and Samiel.

Look at this video with the scene of the Wolf's Lair ...



The premiere was a success, a very good orchestral and vocal quality, something the Teatro del Liceu already accustomed us.

The orchestra, under the direction of Michael Boder, the same conductor who directed the Parsifal, was sublime, honoring the music of Weber to the celestial level it deserves.

The only connection with the production of this DVD, in addition to staging, was Albert Dohmen as Kaspar. With about 10 years difference between the DVD and this performance, his vocal quality and interpretation remained at the highest level.



Christopher Ventris has been the salvation of the Teatro del Liceu this season. After replacing, so excels, Simon O'Neill as Parsifal, now replaced Peter Seiffert as Max away by disease. What to say? Once again he marked positively the performance. In excellent vocal moment, he confirmed what I have been feeling by watching his Parsifals from some years now – he is becomming a much better actor. Fantastic!



Since I had seen the DVD before buying the tickets, I already knew that the Hermit would sit in the front row of the audience, on the left. Then I bought tickets on the 3rd row on the same side ... And the result was?...



Matti Salminen sang his first line at a distance of 50cm, before heading on stage. What a moment! Creepy! Despite his age, his voice still possesses an incredible depth. I look forward to the opportunity to see him, finally, as Gurnemanz in Zurich, Guth's staging which, after Barcelona, will debut in the swiss city in June-July and repeats in October this year.





Petra-Maria Schnitzer was excellent as Agathe. The only shortcoming is that, in the aria "Und ob die Wolken sie verhüllen", her pianos at the beginning of the sentences were so piano that were hardly heard. But in no way diminished her interpretation.



Ofelia Sala was Annchen. Extremely lively and dynamic, as the character askes, complemented this with a very good vocal performance.



The other singers in minor roles and the chorus did not disappointed, balancing a cluster of stars that were in full harmony on this warm night in Barcelona.








sábado, 28 de maio de 2011

DON GIOVANNI, Wiener Staatsoper, 04/05/2011


Em primeiro lugar quero agradecer a todos pela recepção que meu primeiro artigo teve aqui neste blog. Alem disso quero agradecer ao Fanático Um, pela excelente edição e inclusão de imagens, que enriqueceu bastante o artigo. É um prazer participar disso aqui.



Continuando minha viagem, após alguns dias em Paris, onde alem de assistir a ópera fizemos um passeio bem legal ao Castelo de Chantilly e ao Museu de História Natural da França (para quem não conhece, eu recomendo), fomos para Viena onde ficaríamos por 3 dias e depois partiríamos numa excursão pelo interior da Austria e da Alemanha.

Nesse intervalo de dois calhou de haver uma récita de Don Giovanni no Staatsoper, com alguns cantores conhecidos, como Ildebrando D'arcangelo. Comprei o ingresso pela internet com antecedência, consegui bons ingressos de platéia (fila sete, no meio). Isso é o mundo moderno!







Em primeiro lugar, uma impressão geral sobre o teatro, que não é muito grande. Achei muito bonito, e com uma excelente acústica. Achei tambem muito bacana a sessão para os que vêem a ópera em pé, inclusive com direito ao mecanismo de legenda (igual ao do Met, se não me engano, onde você pode escolhar o idioma das legendas pessoalmente).

Convenhamos, assistir uma ópera de Mozart em Vienna é um luxo!


Vamos aos cantores, que são muitos:

Ildebrando D'Arcangelo fez um excelente Don Giovanni. Tem uma boa aparência (que, para esse papel, considero algo importante), tem presença de palco e canta muito bem. Talvez não tenha sido uma apresentação fantástica, dos deuses, aquele negócio do outro mundo, mas foi eficiente.



Sorin Coliban fez o comendador, que não tem muito o que fazer alem de morrer no início e vir buscar o tarado para levar ao inferno no fim da história. Só precisa cantar bem mesmo no final, e ele assim o fez.

Camilla Nylund representou Donna Anna, filha do comendador e hipócrita mor, que enrola o namorado para conseguir a vingança sobre Don Giovanni. Sério, aquele Don Otávio (interpretado de forma muito competente por Pavel Breslik) é muito otário de cair na história dela... e ainda toma um "sai pra lá" no final da história, tendo que esperar pelo menos mais um ano para conseguir o que o Don Giovanni teve com um minuto de ópera!!

Opiniões sobre os personagem a parte, na verdade a soprano cantou muito bem. O que atrapalha é que suas árias (assim como as do Don Otavio) são meio "encheção de linguiça" e não contribuem para o desenvolvimento da história.

Malin Hartelius, como Dona Elvira, foi muito bem. A melhor cantora da noite, com boa interpretação cênica e musical. Com justiça, foi a mais aplaudida das cantoras.



Wolfgang Bankl fez um Leporello que ficou um pouco abaixo dos demais cantores. Não o conheço, não saberia se foi apenas uma noite ruim.

Adam Plachetka fez um ótimo Masetto, sendo muito aplaudido ao final da apresentação. Ileana Tonca interpretou a Zerlina tambem de forma bastante competente.


A montagem de Franz Welser-Möst é tradicional (pelo menos no sentido de não inventar o que não está no libretto, embora o figurino seja bem mais moderno do que a época da história) e tem boas sacadas, como o uso das garotas presentes ao casamento da Zerlina para ilustrar a ária do catálogo. A montagem da cena final tambem é bastante interessante, embora não seja tão impactante quanto aquela em que aparece os planetas no fundo (festival de salzburgo?).


Em resumo, foi uma ótima récita, da qual saí satisfeito. Não foi a melhor da minha vida (para quem quer saber, foi Mefistofele, de Arrigo Boito, no Teatro dell' Opera di Roma, ano passado), mas valeu o esforço para estar lá.

Finalizo com alguns comentários sobre a história em si: Don Giovanni é o ID que todos temos dentro de nós. É uma força tão poderosa que precisa ser constantemente reprimida pelo nosso superego para que possamos viver em sociedade. Repare, ele não é punido pelo que fez, e sim por não ter se arrependido. O grande desafio ao status quo (pelo menos no mundo do rococó) não é fazer libertinagens. É esfregá-las na cara de todos.

Todos os outros personagens aprontam das suas em um ou mais momentos, mais, pessoas comuns que são, se arrependem ou colocam a culpa em algum tipo de mau-entendido. Don Giovanni não, ele sabe o que faz e se orgulha disso e por isso paga por todos.

No próximo texto fugirei um pouco da ópera e falarei do concerto da Filarmonica de Berlim, com participação da soprano Ana Prohaska e do Pianista Maurizio Pollini, alem da regência do Claudio Abbado. Adianto que foi o grande momento musical da viagem. Posteriormente o texto será sobre a ópera barroca Farnace, de Vivaldi, que assisti em Salzburgo.

Animado pelo bom retorno que tive, resolvi criar um blog próprio, onde vou colocar críticas de CDs e DVDs de Ópera e Música Clássica. Crônicas de récitas assistidas ao vivo serão publicadas com exclusividade aqui no Fanáticos (pelo menos enquanto os Fanáticos não me expulsarem, hehehe).

Ficarei feliz com a visita e os comentários de vocês. O site do blog é: http://pitacosdoeduardo.blogspot.com/

Aguardo os comentários de vocês!

Sds,

Eduardo

(Texto de Eduardo Vieira)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

WAGNER e DVORÁK – Teatro alla Scala, Milão, Maio de 2011


Um espectáculo inesperado no Scala foi um ensaio geral aberto ao público da Orquestra Filarmonica della Scala, dirigido pelo maestro Gianandrea Noseda, com o barítono Matthias Goerne.
Por 15 Euros pude assistir a outro espectáculo interessantíssimo.



Logo no início, os Maestros Gianandrea Noseda e Gian Mário Benzini trocaram algumas impressões quer sobre a carreira profissional do maestro que dirigiu o concerto, quer sobre o conteúdo do que se iria ouvir.


A Orquestra esteve colocada no palco da sala principal e todos os músicos estavam vestidos à vontade, dado ser um ensaio geral.



O espectáculo começou com Wagner, as duas peças em que houve intervenção do excelente barítono alemão Matthias Goerne, que possui uma bela voz, escura e forte, com pianíssimos de excelente qualidade bem como um registo grave marcante.
Interpretou o monólogo de Hans Sachs dos Mestres Cantores de Nuremberg e a despedida de Wotan na parte final da Valquíria, um das mais sublimes trechos musicais alguma vez escritos na música ocidental.


Foram frequentes as interrupções, ora com indicações para os músicos, ora com informações para o público mas, cada uma das peças foi interpretada na íntegra no final das interrupções.


Seguiram-se o prelúdio dos Mestres Cantores, e a marcha fúnebre de Siegfried, do Crepúsculo dos Deuses. Outra daquelas peças que não deixa de nos tocar profundamente e, mais uma vez, enriquecida por eloquentes explicações do maestro, incluindo o relevo para alguns instrumentos que são frequentemente apenas usados nas obras de Wagner, nomeadamente no Anel.



O espectáculo terminou com a 8ª Sinfonia de Dvorák, primorosamente interpretada pela orquestra (já com menos instrumentistas) que não foi interrompida até ao final da obra.


Mais um presente do Scala, diferente, mas muitíssimo interessante e educativo.

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Wagner and Dvorák - Teatro alla Scala, Milan, May 2011

An unexpected performance at La Scala was a rehearsal open to the public of the Scala Philharmonic Orchestra, directed by conductor Gianandrea Noseda, with the baritone Matthias Goerne.
For 15 Euros, I could watch another very interesting performance.

In the begining, Maestros Gianandrea Noseda and Gian Mario Benzino exchanged some impressions both on the professional career of the conductor who will direct the concert, and on the content of the concert.

The orchestra was placed on the main stage and all the musicians were dressed casual, because it is a rehearsal.

The performance began with Wagner, the two parts in which there was intervention by the great German baritone Matthias Goerne, who has a beautiful voice, dark and strong, with excellent quality pianissimi and striking low register. He sang the monologue of Hans Sachs of Die Meistersinger von Nürnberg and the final part of Wotan at the end of the Valküre, one of the most sublime pieces of music ever written in Western music.

There were frequent interruptions, sometimes with suggestions to the musicians, sometimes with information for the public, but each piece was played in full at the end of the interruptions.

This was followed by the prelude to Die Meistersinger and Siegfried's Funeral march, from Götterdämmerung. This is another of those pieces that never ceases to touch us deeply and once again, enriched by eloquent explanations of the conductor, including the highlight for some metals that are often only used in Wagner’s operas, particularly in the Ring.

The performance ended with the 8th Symphony by Dvorák, played exquisitely by the orchestra (now with less musicians) that was not interrupted until the end of the work.

Another gift from La Scala, different but very interesting and educational.

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