quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

IL BURBERO DI BUON CUORE – Vicente Martín y Soler – Gran Teatro del Liceu, Barcelona - 31 Janeiro 2012


(review in english below)

Perdoem-me os bloggers se o amadorismo habitual destas minhas críticas atinge um grau ainda mais elevado nesta entrada. A razão é o facto de ser uma crítica sobre uma ópera pouco conhecida e a ter visto pela primeira vez e isoladamente, no passado dia 31 de Janeiro, em Barcelona.

O libretto foi escrito por Lorenzo da Ponte e a opera foi estreada em Viena em 1786, no mesmo ano que As Bodas de Fígaro de Mozart. Em poucas palavras, a história ronda dois irmãos, um Giocondo que é casado com Lucilla e que está na bancarrota porque a mulher lhe gasta tudo em roupas e jóias, embora sem saber que está a enterrar economicamente o marido; e Angelica que é jovem e está apaixonada por Valerio, um rapaz novo, honesto mas não rico. Giocondo que mandar a sua irmã para um Mosteiro mas Angelica quer casar-se. O tio Ferramondo, de quem Angelica e todos têm receio pela sua volatilidade de temperamento, quer ajudar Angelica a não ir para um mosteiro e fica de lhe arranjar um marido. Pensa no seu amigo e companheiro de xadrez, Dorval, muito mais velho que a jovem. No final, e com a ajuda da criada Marina, tudo se resolve, com Ferramondo a ajudar o sobrinho com as dívidas, e a apoiar o casamento de Angelica com Valerio, deixando no ar a ideia que todos fazem dele o que querem.

A acção, como se pode ver na foto, passou-se no que pareceu ser um lobby de hotel, embora também pudesse ser apenas a sala de estar da casa de Ferramondo.





Tida como possível de rivalizar com Mozart, o primeiro acto deixou-me algo de pé atrás. Teve realmente 2 ou 3 momentos de maior brilhantismo como um trio feminino, a grande ária de Dorval ou o dueto à mesa de xadrez de Ferramondo e Marina, mas com alturas em que a orquestração não me pareceu a mais cativante e nem sempre o estilo de melodia se adaptou completamente ao texto. Contudo, tudo mudou no segundo acto! Sessenta minutos de sequência recitativo-ária de uma excelência melódica e de orquestração Mozart-like do mais alto nível musical. Fiquei rendido!

Os cantores estiveram, de um modo geral, em muito bom nível.

Carlos Chausson como Ferramondo foi, sem dúvida, a estrela da opera, com representação excelente e performance vocal perfeita.

Marco Vinco, de quem não consegui foto boa mas que podem ver no video, foi Dorval e equiparou-se na excelência de timbre e representação.

Véronique Gens foi uma senhora em palco, com uma voz cuja qualidade não se consegue ficar indiferente e que a colocou ligeiramente acima do restante elenco feminino.





Elena de la Merced esteve muito bem, embora os agudos em força tenham soado algo gritados.





Paolo Fanale fez um Valerio de porte físico e beleza de feições perfeitamente enquadrado no papel de jovem apaixonado. Não gostei particularmente do timbre ao parecer estar a cantar com colocação de voz que parecia em falsete, embora não o estivesse a fazer deste modo. Cantando de forma a que se notasse as covinhas laterais da face também não deve ajudar à projecção do som… Contudo, foi um dos melhores actores em palco.





Do mesmo modo não gostei do timbre de David Alegret (na foto em cima, ao lado de Veronique Gens), que interpretou o papel de Giocondo; demasiado afemininado para o meu gusto embora com afinação e constância perfeitos.

Patricia Bardon foi Marina e Josep Miquel Ramon foi Castagna, completando o elenco como os criados, com um nível vocal e interpretativo de marcada qualidade.





Foi a primeira vez que vi Jordi Savall ao vivo e, apesar de no pódio como maestro, questionei-me onde havia deixado a sua viola da gamba… Não posso dizer que a tenha trocado pela batuta porque conduziu a orquestra, nesta belíssima opera, com aquilo que habitualmente usa no dedilhar das cordas do célebre instrumento antigo… as mãos.





Uma excelente supresa em Barcelona, numa aposta que seria interessante de ver no Teatro Nacional de São Carlos.





Aqui ficam uns clips do canal do youtube do Liceu:







IL BURBERO DI BUON CUORE – Vicente Martín y Soler – Gran Teatro del Liceu, Barcelona – January 31, 2012





My dear bloggers, forgive me if the usual amateurism of my reviews reaches an even higher level with the following one. The reason is that it is a review of a not so famous opera and I only saw it once and for the first time.

The libretto was written by Lorenzo da Ponte and the opera was premiered in Vienna in 1786, the same year as The Marriage of Figaro by Mozart. The story evolves two brothers, one is Giocondo who is married to Lucilla and is bankrupt because the wife spends it all on clothes and jewelry, but without knowing she is leaving his husband broke; and Angelica who is young and in love with the young, honest but not rich Valerio. Giocondo wants to send her sister to a monastery but Angelica wants to marry. Uncle Ferramondo, whom all are afraid of due to his volatility of temperament, wants to help Angelica not to go to a monastery and finds her a husband. He thinks of his friend and chess companion Dorval, much older than the young girl. In the end, and with the help of Marina, everything is solved with Ferramondo helping Giocondo paying his debts and supporting the marriage of Angelica with Valerio, leaving the idea that everyone does what they of him.

The action, as you can see in the picture, is set in what appeared to be a hotel lobby, but also could be just the living room of Ferramondo’s house.





Seen as a possible rival to Mozart’s operas, the first act left me in doubts. Actually it had two or three moments of brilliance such as a feminine trio, the great aria of Dorval, or the duet at the chess table between Ferramondo and Marina, but with passages in which the orchestration did not seem the most engaging and not always the style of melody adapted completely to the text. However, everything changed in the second act! Sixty minutes of recitative-aria sets filled with an excellent melodic and Mozart-like orchestration of the highest musical level. I surrendered myself!

The singers were, in general, in a very good level.

Carlos Chausson as Ferramondo was undoubtedly the star of the opera, with an excellent representation and a perfect vocal performance.

Marco Vinco, of whom I did not get a good photo but that you can see in the video, was Dorval and matched on the excellence of tone and representation.

Véronique Gens was a lady on stage, in a voice whose quality no one can remain indifferent and which placed her slightly above the remaining female cast.





Elena de la Merced was very good, although the high notes, given in strength, did sounded somehow shouted.





Paolo Fanale made a Valerio with a physical look and beauty of features perfectly matched with the role of young lover. I did not like his pitch since he seemed to be singing in a falsetto voice, although he was not doing it. Singing in a way that shows her face dimples should not also assist the projection of the sound… However, he was one of the best actors stage.





Similarly I did not like the tone of David Alegret (next to Veronique Gens in the photo above), who played the role of Giocondo. His voice was too much feminine-like for my taste, despite being very constant and tuned.

Patricia Bardon was Marina and Josep Miquel Ramon was Castagna, completing the cast as the servants, with a high level of vocal and interpretative quality.





It was the first time I saw Jordi Savall live and, despite in the podium as a conductor, I wondered where he had left his “viola da gamba” ... I can not say that he has changed her for the baton because he led the orchestra in this beautiful opera, with what we normally uses to play the strings of the famous ancient instrument ... his hands.





A great surprise in Barcelona, a production that would be interestng to see the at Teatro Nacional de São Carlos.




Here are some clips from the youtube channel from the Liceu:





domingo, 26 de fevereiro de 2012

Ernani — Guiseppe Verdi — MetLiveHD, 25 de Fevereiro, 2012, FCG


(Review in english below)


A quinta ópera de Guiseppe VerdiErnani  — foi estreada a 9 de Março de 1844 no teatro La Fenice em Veneza e é uma das obras do período jovem do compositor.
Tem como curiosidade ter sido a primeira ópera completa a ser gravada em 1904 em 40 discos de lado único pela HMV em Inglaterra.

Não sendo umas das óperas mais representadas de Verdi, tem sido, ultimamente, representada em diversos teatros importantes e é a partir de hoje levada à cena numa produção para o Metropolitan Opera de Nova Iorque a que tivemos oportunidade de assistir, uma vez mais integrada no programa MetLiveHD ao qual a Fundação Gulbenkian se associou.

O libreto é de Francesco Maria Piave e baseia-se na obra Hernani do romancista francês Vitor Hugo. Foi o primeiro libreto que o compositor teve a liberdade de escolher, e com o qual o compositor e libretista italianos iniciaram uma estreitíssima e profícua colaboração que traria às óperas de Verdi a profundidade dramática e os entrelaçados jogos psicológicos que as caracterizam.
Sendo a primeira ópera de temática espanhola de Verdi, enquadra-se, claramente, no período romântico e poderão encontrar uma breve sinopse, por exemplo, no programa de sala que a FCG disponibilizou: http://www.musica.gulbenkian.pt/2011_2012/files/00000000/00000098_0015.pdf

(algumas fotografias/photos Met Opera)

A encenação esteve a cargo de Pier-Luigi Samaritani. Foi simples e clássica, não introduzindo nenhum elemento interpretativo tendente a gerar diversas interpretações. Foi, isso sim, bonita e muito eficaz.


A New York Metropolitan Opera Orchestra esteve sob a batuta do maestro italiano Marco Armiliato. O maestro conduziu bem uma orquestra madura e bem preparada, tendo a orquestra estado em bom nível com uma interpretação viva e verista, tal como o Coro.


O tenor Marcello Giordani foi Ernani. Ao nível da dicção esteve sublime (nem sempre os italianos a têm). Em termos cénicos foi eficaz, porque nem sempre suficientemente expressivo. Já a sua voz não esteve a um nível óptimo, nem pouco mais ou menos: esteve muito esforçada nos registos mais agudos, o que se notou diversas vezes (por exemplo, no final da primeira cena do primeiro acto).


Angela Meade (Elvira) foi um soprano de enorme qualidade. Dotada de uma técnica assombrosa, a jovem soprano norte-americana encheu a sala do MET com a sua voz poderosa e muito harmoniosa e conseguiu cativar-nos. Pena que a sua presença pesada não acompanhe a beleza tímbrica. Esteve perfeita na sua ária do primeiro acto e é, certamente, um nome a considerar por muitos anos.


O barítono russo Dmitri Hvorostovsky foi um Don Carlo com uma excelente presença em palco. Dotado de uma excelente figura, foi um rei altivo e confiante, a que aliou uma voz de qualidade inquestionável. Apresentou-se a muito bom nível e destacou, como o próprio papel exige, no terceiro acto.


Ferruccio Furlanetto (baixo) foi um Don Silva espectacular. Tem uma voz única de raríssima beleza e, tal como sempre nos habituou, esteve a um nível excelente. Somos sempre capazes de sentir todas as nuances expressivas nas diferentes tonalidades da sua voz que está perfeita para este papel. O melhor elemento da récita!

Mary Ann McCormick (mezzo-soprano) como Giovanna, Jeremy Gaylon (baixo) como Iago e Adam Laurence Herskowitz (tenor) como Don Riccardo estiveram, apesar dos seus papéis de menor relevo, em bom plano, não tendo nenhum deles destacado por ter uma voz particularmente interessante.

Em suma, é uma ópera cujo enredo não é de interesse particular. Todavia, não sendo uma das óperas mais famosas de Verdi e, logo, menos conhecida do grande público, foi uma boa oportunidade para desfrutar de uma música de muito boa qualidade.

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(Review in English)

The fifth opera by Guiseppe VerdiErnani — was premiered at March 9, 1844 at La Fenice theater in Venice and it is one of the youth period works by the composer.
By curiosity, Ernani was the first complete opera to be recorded in 1904 in 40 single-sided discs for HMV in England.

Being not one of the most represented Verdi’s operas, it has been lately, represented in several major opera theaters and is now taken to the scene in a production for the Metropolitan Opera in New York that we had the opportunity to watch integrated on MetLiveHD program the Gulbenkian Foundation joined.

The libretto is of Francesco Maria Piave and it is based on the work Hernani by french novelist Victor Hugo. It was the first libretto Verdi had the freedom to choose, and with which the Italian composer and the librettist began an extremely close and fruitful collaboration that would bring to Verdi’s operas the dramatic depth and the intertwined psychological games that characterize them.
As the first Spanish-themed opera by Verdi, it falls clearly in the Romantic period and you could find a brief synopsis, for example, in the program provided by the FCG: http://www.musica.gulbenkian.pt/ 2011_2012/files/00000000/00000098_0015.pdf

Pier-Luigi Samaritani directed the staging. It was simple and classic, not introducing any element of interpretation designed to generate various interpretations. It was, yes, beautiful and very effective.

The New York Metropolitan Opera Orchestra was under the baton of Italian conductor Marco Armiliato. The conductor led a mature and well-prepared orchestra, being at a good level and giving us a vivid and veristic interpretation, as the Chorus.

The tenor Marcello Giordani was Ernani. At the level of diction he was sublime (not always the Italians have it). In scenic terms he was effective,but he was not expressive enough. His voice was not at an optimal level, neither more or less: it was very strenuous in the upper registers, which noted several times (eg. at the end of the first scene of Act I).

Angela Meade (Elvira) was a soprano of great quality. Endowed with an amazing technique, the young American soprano filled MET house with her powerful and very smooth voice, and she captivate the audience. It is a pity that her heavy presence does not accompany her timbre beauty. She was perfect in his first act aria and she is certainly a name to consider for many years.

The Russian baritone Dmitri Hvorostovsky was a Don Carlo with a great stage presence. Endowed with an excellent figure, as King he was proud and confident, which combined a voice of unquestionable quality. He presented at very good level and highlighted, as the role requires, in the third act.

Ferruccio Furlanetto (bass) Don Silva was a spectacular. He has a unique voice of rare beauty and, as always accustomed us, was at an excellent level. We are always able to feel all the expressive nuances in the different tones of his voice that is perfect for this role. He was the best performer of the afternoon!

Mary Ann McCormick (mezzo-soprano) as Giovanna, Jeremy Gaylon (bass) as Iago and Adam Laurence Herskowitz (tenor) as Don Riccardo were, despite their secondary roles, on good plan, none of them having an outstanding or particularly interesting voice.

In short, Ernani is an opera whose plot is not of particular interest. However, being not one of the most famous operas of Verdi, and therefore less known to the general public, it was a great opportunity to enjoy very good quality music.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Pedro Burmester no melhor Concerto para Piano e Orquestra da História da Música – Fundação Calouste Gulbenkian – 23 Fevereiro 2012


(review in english below)

Com uma precisão notável, expressividade sobre-humana e uma sublime utilização do tempo rubato, Pedro Burmester deslumbrou no Concerto para Piano e Orquestra nº1 de Johannes Brahms, o meu concerto para piano e orquestra favorito.

A Orquestra derreteu-se à excêntrica mão esquerda de Krzysztof Urbanski.

O Programa completou-se com a abertura Coriolando de Beethoven e A Minha Pátria de Smetana, mas foi Brahms que ecoou no Grande Auditório. Sem dúvida, o momento sinfónico / não vocal mais alto da Temporada até agora.

Hoje não foi dos piores dias mas continuo a não compreender como é possível não ficar corporalmente inerte face a uma interpretação tão magistral de uma obra tão magistral. Ainda há muita gente que consegue perder-se na leitura prolongada mas cerebralmente fugaz de um programa, roçando páginas, o cochicho, o retirar e guardar objectos na mala, tira óculos, põe óculos... O fanatismo pode trazer algum extremismo mas perdoem-me a metaforização (ou até mesmo eufemização) seguinte para que se possa enquadrar na moderação do blog mas: abaixo o snobismo pseudointelectual, ocasionalmente coberto de pêlo ou penas!!! Cada um é livre de viver a música de modo pessoal mas estou certo que é muito mais tocante vivê-la colocando-a acima de qualquer projecção egocêntrica. Burmester merecia essa atitude, Brahms merecia essa atitude!

Terminando com a recomendação habitual... aqui fica a minha gravação de eleição pelo meu pianista favorito. A perfeição ao vivo versus a perfeição em gravação. É possível de ser atingida...





Pedro Burmester in the best Piano Concerto ever written - Calouste Gulbenkian Foundation - February 23, 2012




With a remarkable precision, superhuman expressiveness and sublime use of the rubato time, Pedro Burmester dazzled the Johannes Brahms Piano Concerto nº 1, my favorite.

The Orchestra melted to the eccentric left hand of Krzysztof Urbanski.

The program was completed with the Beethoven’s Ouverture Coriolando and Smetana’s Má Vlast, but it was Brahms who echoed in the Grand Auditorium. Undoubtedly, the best symphonic / non-vocal momento of the Season so far.

Ending with the usual recommendation ... here's my recording of choice from my favorite pianist. Live perfection versus recording perfection. It is possible to be achieved...