segunda-feira, 30 de abril de 2012

Eugene Onegin, Bayerische Staatsoper, Março de 2012






Eugene Onegin é uma ópera de P I. Tschaikowsky com libretto do compositor e de Konstantin Schilowsky, segundo uma obra de Puskin. O enredo pode ler-se aqui.


 A encenação de Krzysztof Warlikowski trouxe a acção para as décadas de 60 do século passado e assentou num relacionamento homossexual entre Eugene Onegin e Lenski. A abordagem prestava-se à apresentação de cenas de mau gosto (como presenciei na ópera Macbeth que vi no dia anterior), mas tal não aconteceu em excesso.
O que ficou desajustado foi toda a história original, o amor das irmãs Olga e Tatiana por Lenski e Onegin, com particular ênfase na cena final entre Onegin e Tatiana que, neste enquadramento, não fez qualquer sentido.
No início estamos numa grande sala de jogos e está uma televisão ligada, a emitir a preto e branco um campeonato de patinagem artística. Nessa mesma televisão aparecerá mais tarde a chegada do Homem à lua, a mira técnica e até o “granulado” da falta de emissão a meio da noite, quando Tatiana não consegue dormir. Na célebre cena da carta, Tatiana dita-a para um gravador em vez de a escrever e manda a gravação num envelope a Onegin.



Na festa de Tatiana, um dos números para divertimento dos convidados é uma cena de striptease masculino. O duelo entre Onegin e Lenski (mortal para o último) é um disparo à queima-roupa na cama onde ambos dormem.
O início da segunda parte abre com cowboys dispersos pelo palco, alguns em tronco nu. O mau gosto surge enquanto Lenski canta a famosa e belíssima ária Kuda kuda. antes de ser morto e, no fundo do palco, os cowboys, numa bomba de gasolina, divertem-se sexualmente com uma boneca insuflável. Já perto do final, entram em palco vestidos de mulher e de saltos altos. Opções de gosto muito discutível e que não trazem nada de inovador.




 A direcção musical foi do maestro finlandês Pietari Inkinen, responsável por uma interpretação correcta e equilibrada ao longo de toda a récita.

 A Tatiana do soprano russo Ekaterina Scherbachenko foi, de longe, a melhor interpretação da noite. A voz é de uma beleza invulgar, muito melodiosa, forte quando necessário e sempre de elevada qualidade. Em cena a cantora teve uma presença irrepreensível. Transmitiu angustia, desespero e resignação sempre que necessário. A figura magra e alta também ajudou muito.





O tenor eslovaco Pavol Breslik interpretou Lenski com grande nível. A voz tem um timbre bonito, ouve-se bem sobre a orquestra e não perde qualidade quando sobe às notas mais agudas. O cantor também tem uma boa figura, o que o ajudou na parte cénica.


 O baixo estónio Ain Anger cantou bem a ária no 3º acto, mostrando uma voz poderosa, grave e de timbre muito agradável.


 Os papeis secundários de Olga (Alisa Kolosova), Larina (Heike Grötzinger), Filipjewna (Elena Zilio) e Triquet (Guy de Mey) foram todos bem interpretados.

Deixei para o fim o Eugene Onegin do barítono inglês Simon Keenlyside. É um cantor de que gosto muito mas, aqui, foi a sua interpretação que menos me impressionou. Achei que esteve sempre tenso e inseguro. O seu barítono é de elevada qualidade mas não o demonstrou nem brilhou. E, cenicamente, também ficou muito aquém do habitual. Esteve sempre estático, não demonstrou a agilidade e as excelentes qualidades cénicas que o caracterizam.











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Eugene Onegin, Bayerische Staatsoper, March 2012


Eugene Onegin is an opera by P. I. Tchaikovsky with libretto by the composer and Konstantin Schilowsky, a text of Pushkin.
The plot can be read here.

The staging of Krzysztof Warlikowski brought the action to the decades of 60-70 of the last century and was centered in a homosexual relationship between Eugene Onegin and Lenski. This approach could be prone to the presentation of scenes of vulgar content (as witnessed in the opera Macbeth I saw the day before), but this has not happened in excess.
All that was the original story was misfitted, the love of sisters Olga and Tatiana by Onegin and Lenski, with particular emphasis on the final scene between Onegin and Tatiana. In this scenic option, it made no sense at all.
But there were some interesting scenic details: At the beginning we are in a large game room and a television is on, broadcasting  a figure skating championship in black and white. Later will appear, in the same television, the arrival of man to the moon, the television test card and even the "grainy" of the lack of emission at the middle of the night, when Tatiana can not sleep.
In the famous letter scene, Tatiana dictates the text to a tape recorder instead of writing and puts the recording in an envelope to be sent to Onegin.
At Tatiana´s party, one of the entertainment moments is male striptease performance. The duel between Onegin and Lenski (deadly for the latter) is a gunshot on the bed where they both sleep.
The beginning of the second part opens with cowboys scattered across the stage, some bare-chested. Another bad scenic option comes as Lenski sings the famous and beautiful aria Kuda kuda before being killed. In the background, the cowboys are in a gas station, playing sexually with an inflatable doll. Toward the end, they come on stage dressed as women with high heels. Questionable options that do not bring anything new to the stage.

 Musical direction was of Finnish conductor Pietari Inkinen who was responsible for  a correct and balanced interpretation throughout the performance.

Tatiana was Russian soprano Ekaterina Scherbachenko. She was, by far, the best singer of the night. The voice is unusually beautyful, very melodious, strong when needed and always high quality. On stage the singer had an irrepressible presence. SShe conveyed anguish, despair and resignation whenever necessary. The slim, tall figure of the singer also helped a lot. Fantastic.

Slovak tenor Pavol Breslik was a high quality Lenski. The voice has a beautiful tone, is heard over the orchestra and does not loose quality when singing top notes. The singer also has a good figure, which helped in the artistic part.

Estonian bass Ain Anger sang very well his aria in Act 3, showing a powerful voice with a and very nice tone.

Secondary roles of Olga (Alisa Kolosova) Larina (Heike Grotzinger), Filipjewna (Elena Zilio) and Triquet (Guy de Mey) were all ok.

I left English baritone Simon Keenlyside’s  Eugene Onegin for the end. Keenlyside is a singer that I like very much but here his interpretation did not impressed me. I found him always tense and insecure. His baritone is high quality but he did not show it and he was not brilliant. And, artistically, he also also not as well as he usually is. He was always very static, and he did not show the agility and the outstanding artistic qualities that characterize him.

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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Die Zauberflöte / A Flauta Mágica, Liceu, Barcelona, Abril 2012



 A Faluta Mágica é um dos últimos trabalhos de W.A, Mozart, um Singspiel em dois actos com libretto de Emmanuel Schikaneder, baseado no conto Lulu oder die Zauberflöte de August Jacob Liebeskind.


 Tamino é salvo de uma serpente por três damas e apaixona-se pelo retrato de Pamina, filha da Rainha que, após ter sido avisada pelas damas, lhe diz poder ficar com ela se a salvar de Sarastro que a mantém prisioneira. Recebe uma flauta mágica. Papageno, um caçador de pássaros que vive para os prazeres elementares da vida (comer, beber, dormir), toca pífaro e diz ter morto a serpente. As três damas fecham-lhe a boca por mentir. Recebe uns sinos mágicos.
Reconhece Pamina no castelo de Sarastro e revela-lhe que Tamino está apaixonado por ela. São interceptados pelo mouro Monostatos mas as campainhas mágicas põem os mouros a dançar. Sarastro chega num carro puxado por leões, Pamina queixa-se da brutalidade de Monostatos mas Sarastro não permite o seu regresso para junto da mãe, a malvada Rainha da Noite. Trás consigo Tamino e decide admitir os amantes às provas iniciáticas para saber se poderão pertencer à sua irmandade.
A Rainha da Noite aparece e manda Pamina apunhalar Sarastro. Papageno e Tamino recebem ordem de silêncio. Tamino cumpre-a e não fala com Pamina quando a encontra, o que a deixa desolada. Papageno não cumpre a ordem e vê uma velha que diz ter 18 anos e dois minutos e que ele é o seu namorado. Desaparece e Papageno diz que quer apenas vinho e uma companheira. A velha reaparece e dá-lhe a escolher entre casar com ela ou ficar preso para sempre. Quando aceita casar-se, contrariado, a velha transforma-se na jovem Papagena, mas ele não é digno dela e tenta matar-se. É salvo, toca o pífaro e nada acontece, mas quando toca os sinos mágicos aparece a Papagena e ficam juntos e felizes. Monostatos junta-se à Rainha da Noite e seu séquito e todos desaparecem nas trevas. Pamina e Tamino passam por várias provas e terminam com trajos sacerdotais no templo de Sarastro, que agradece a Ísis e Osíris o triunfo do amor, beleza e sabedoria. É a vitória da luz sobre a escuridão.

O espectáculo levado à cena no Liceu de Barcelona foi de grande qualidade, não só pela qualidade e homogeneidade dos principais solistas, como pela encenação.


 Joan Font (Comediants) foi o responsável por uma belíssima encenação que, cheia de bom gosto, nos transportou para um conto infantil.
Logo no início, antes da música, é uma ave que dá a batuta ao Papageno, que a entrega ao maestro. Todas as personagens estão muito bem caracterizadas, mas a de Papageno é a mais interessante e bem representada. Ao longo da récita os diferentes cenários são sempre simples e eficazes. Animais feitos de papel e manipulados por figurantes, trajos vistosos e de bom gosto nos protagonistas dominam a récita. É uma leitura da obra centrada no Papageno e sua postura simples, hesitante, irónica e inocente, como a de tantos na vida.

A direcção musical de Pablo Gonzales foi regular e a Orquestra Sinfónica de Barcelona e Nacional da Catalunha cumpriu sem encantar e sem ter estado imune a algumas falhas. O Coro do Gran Teatro del Liceu esteve muito bem.

O tenor eslovaco Pavol Breslic foi um Tamino de qualidade vocal assinalável. Tem um timbre de voz bonito e potência, apesar de nem sempre projectar a voz da melhor forma. Mas canta muito bem e foi um prazer ouvi-lo. Cenicamente esteve mais parado do que seria desejável, mas a sua boa figura ajuda-o muito.


 Sensacional foi o barítono espanhol Joan-Martin-Royo no papel de Papageno. Tem uma voz bonita e de grande qualidade, sempre bem audível. Cenicamente foi insuperável no papel. Recheou a sua apresentação de momentos cómicos verdadeiramente hilariantes e, apesar da indumentária que envergava, foi de uma agilidade estonteante.


 Georg Zeppenfeld, baixo alemão foi um Sarastro de voz profunda e autoritária.  


 A Rainha da Noite, interpretada pelo soprano húngaro Erika Miklósia foi, de todos os cantores, a menos forte. Cenicamente não há nada a dizer, a voz é forte, a coloratura boa mas perdeu qualidade nas notas mais agudas, em esforço e menos audíveis.


 Susanna Phillps, soprano norte americano, foi uma Pamina deslumbrante. Tem uma voz belíssima mas o que mais impressionou foi a qualidade emotiva do canto. Foi doce, suave, triste ou exuberante, de acordo com os momentos, e sempre bem audível, mesmo quando apianava. Para mim, a melhor cantora da noite.


 A Papagena do soprano espanhol Ruth Rosique foi cómica, ágil e cumpriu vocalmente o papel.


 O barítono estanhol Vicenç Esteve Madrid interpretou o Monostatos da melhor forma, mesmo tendo em conta os momentos acrobáticos, numa rede, em que teve que cantar uma das partes.


 Também bem estiveram as três damas Maria Hínosa, Anna Tobella e Inés Morelada, os Sacerdotes / Homens de armas Mikhail Vekua e Kurt Gysen, e as três crianças Laia Azcona, Isabel Freijo e Pol Guix.















Uma Flauta mágica de qualidade no Liceu de Barcelona.

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Die Zauberflöte / The Magic Flute, Liceu, Barcelona, ​​April 2012

Die Zauberflöte is one of the last works of WA Mozart, a Singspiel in two acts with libretto by Emmanuel Schikaneder, based on the tale Lulu oder die Zauberflöte by August Jacob Liebeskind.

Tamino is saved from a serpent by three ladies and falls in love with a portrait of Pamina, the daughter of the Queen, who tells him she will be her´s if he will save her from Sarastro. He receives a magic flute. Papageno, a bird catcher, plays the fife and says he killed the snake. The three ladies shut his mouth for lying. He receives magic chimes. He recognizes Pamina in the castle of Sarastro and reveals to her that Tamino is in love with her. They are intercepted by Monostatos but the magical chimes put the moors dancing. Sarastro arrives in a chariot drawn by lions, Pamina complains about the brutality of Monostatos but Sarastro does not allow her return to her mother, the evil Queen of the Night. He appears with Tamino and decides to test the lovers to see if they can belong to the brotherhood.
The Queen of the Night appears and orders Pamina to stab Sarastro. Tamino and Papageno are ordered to silence. Tamino obeys and does not talk to Pamina
when he meets her, leaving her heartbroken. Papageno fails the order and sees an old woman who claims to have 18 years and two minutes and says he is her boyfriend. She disappears and Papageno says he only wants wine and a common woman. The old woman reappears and gives Papageno the option of marrying her or getting stuck forever. When he accepts to marry, reluctantly, the old woman becomes a young Papagena, but he is not worthy of her and tries to kill himself. He is saved, plays the fife and nothing happens, but when he plays the chimes Papagena appears and both stay together and happy. Monostatos joins the Queen of the Night and her entourage and all disappear in the darkness.Tamino and Pamina undergo several proofs and end with priestly garments in the temple of Sarastro, who thanks to Isis and Osiris, the triumph of love, beauty and wisdom. It is the victory of light over darkness.

 The show brought to the scene at the Liceu in Barcelona was of great quality, not only by the high level and homogeneity of the main soloists, but also by staging.

Joan Font (Comediants) was responsible for a beautiful staging that took us into a fairy tale.
Early on, before the music, a bird gives the baton to Papageno, the delivers it to the maestro. All the singers are very well characterized, but Papageno is the most interesting and well played. Throughout the performance the different scenarios are always simple and effective. Animals made of paper and manipulated by people in them, flashy costumes and good choices in artists dominate the performance. It is a reading of the work focused on Papageno and his simple, tentative, ironic and innocent life, like so many others in live.

Musical direction by Pablo Gonzales was regular and the Orquestra Sinfónica de Barcelona e Nacional da Catalunha played well but with some occasional failures. The Coro do Gran Teatro del Liceu was very good.

Slovak tenor Pavol Breslic was a remarkable Tamino. His voice has remarkable quality. He has a beautiful timbre and power, though he does not always project the voice the best way. But he sings very well and it was a pleasure hear him. Artistically he was more static than desirable, but his good figure helps a lot.

Sensational was the Spanish baritone Joan Martin-Royo in the role of Papageno. He has a beautiful high-quality voice that can be always clearly heard. Artistically he was unbeatable on the role. He included in his humorous presentation truly hilarious moments, and although the “fat” clothing he wore, he was of a dizzying agility.

Georg Zeppenfeld, German bass, was a Sarastro of deep and authoritative voice.

The Queen of the Night, played by Hungarian soprano Erika Miklósia was, of all the singers, the less strong. Nothing to criticize about her behaviour on stage, the voice was strong, the coloratura ok, but she lost quality in the top notes, which were sang in effort and were less audible.

Susanna Phillips, american soprano, was a fabulous Pamina. She  has a beautiful voice but what most impressed me was the emotive quality of the singing. She was sweet, gentle, sad or exuberant, according to the situations, and she was always well audible, even when she was singing piani. For me, she was the best singer of the night.

Spanish soprano Ruth Rosique was comical, agile Papagena that fulfilled the role vocally.

Spanish baritone Vicenç Esteve Madrid layed Monostatos pthe best way he could, even taking into account the acrobatic moments on a net he had to sing one of the parties.

Also well were the three ladies Maria Hínosa, Anna Tobella and Inés Morelada, the Priests / Men of arms Mikhail Vekua and Kurt Gysen, and the three children Laia Azcona, Isabel Freijo and Pol Guix.

A high quality Magic Flute at the Liceu in Barcelona.


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domingo, 22 de abril de 2012

LA TRAVIATA — MetLive HD, 21.04.2012

Cabe-me a mim introduzir o texto sobre a La Traviata que um grande Amigo teve a gentileza de escrever. Como poderão ver, é um texto de enorme qualidade e reflexivo. Aqui fica com votos de que vos seja agradável e de que o nosso Amigo possa colaborar connosco de forma assídua.

(review in English below)

(Fotos/photos Met)

Tivemos oportunidade de assistir à última transmissão do “Ciclo Metropolitan Opera Live in HD” da temporada 2011/2012 da Fundação Gulbenkian. Em cena a famosíssima ópera La Traviata de Guiseppe Verdi, levada a palco com a aclamada e polémica encenação do alemão Willy Decker e a direcção musical do actual maestro principal do Met, o italiano Fabio Luisi. O elenco, de inquestionável qualidade, foi composto pelo soprano francês Natalie Dessay, que encarnou o papel da extraviada cortesã Violetta Valéry, o tenor norte-americano Matthew Polenzani, no papel do jovem e imaturo Alfredo Germont, e o barítono russo Dmitri Hovostosky, no papel castrador de Giorgio Germont, pai de Alfredo e garante da moral instituída.


Estreada em 1852 no Teatro La Fenice, em Itália, a ópera, que foi adaptada a partir do drama de Alexandre Dumas filho, A dama das Camélias, foi considerada obscena pelo The Times de Londres, conquanto fosse um retrato da alta sociedade parisiense do século XIX, a luz de uma “civilização que apodrece” (Eça de Queiroz, em A Cidade e as Serras). Habituados a temas que se afastavam do seu tempo e espaço, os censores moralistas da época tentaram, ao exigir que a ópera tivesse lugar num cenário do início do século XVIII, esconder as quatro paredes em que se moviam e que o libretto levantava, fruto claro da conjugação do realismo crítico, que se ia tornando moda e que revelava a miséria de uma sociedade em profundíssima transformação política, e o romantismo idealista, que exaltava o individualismo e a libertação do artista.

Violetta Valery, figura principal do romance e da ópera, é a uma mulher galante que vive profissionalmente dos seus encantos e o alvo do desejo de todos os homens que vêem no “amor” da indiferente (Folie, delirio vano è questo) e experiente cortesã de luxo, prática bem considerada ontem e hoje, a suprema e difícil vitória, quando comparada com o amor da adolescente casta, de que a família é sentinela. Quando confrontada por Alfredo, jovem e ingénuo membro de uma sociedade a cuja corrupção inconscientemente resiste, vacila entre a aceitação do verdadeiro amor que este lhe dirige (Saria per me sventura un serio amore?) e a liberdade a que se habituou (Sempre libera), escolhendo abandonar-se a Alfredo e abdicar de l’aride folie del viver mio. Em derradeira análise, Violetta fá-lo condenando a sociedade em que vive, a qual, representada pelo decano Giorgio Germont, primeiro a reclamará de volta (Ah, dunque sperdasi tal sogno seduttore!) e, depois, a condenará justamente por esta querer extraviar-se (traviata) dela e viver segundo a moral que, não obstante e em público, apregoa. Violetta depressa compreenderá o seu destino (Così alla misera/ ch’è un dì caduta/ di più risorgere speranza è mutta/ Se pur benfico le indulga Iddio/ L’uomo implacabile per lei sarà) e, recusando-se a voltar à sociedade, decide morrer, entregando-se definitivamente a Deus (Della traviata... tu accoglila, o Dio!).

A encenação de Willy Decker, estreada em Salzburgo em 2005, criticada por alguns e amada por muitos, afasta-se do contexto social profundamente marcado da ópera, e moderniza-a, centrando-a quase exclusivamente na vivência e complexidade psicológicas das personagens e, muito particularmente, na morte, pondo à vista a nossa própria finitude. Para tanto, ao contrário do que é tradicional, mostra-nos um palco em semi-círculo, que envolve o público na própria acção, despido e branco, sem subterfúgios, onde se destaca um enorme e brutal relógio, símbolo do destino e da morte implacáveis de que a Traviata não conseguirá escapar. Toda a ópera se desenvolve neste simples cenário, que apenas muda de acto para acto pelo jogo de luzes, cores e adereços. No primeiro acto destaca um sofá vermelho, símbolo da vida dissoluta e frenética da sociedade, enfim do sofrimento, que é também a cor do vestido de Violetta, e que permite destacá-la de todo os membros da sociedade, curiosamente vestidos, homens e mulheres, de fato e gravata pretos. No segundo acto destacam, primeiro, os tecidos coloridos e com motivos florais, que representam a alegria do par romântico ao fim de três meses de afastamento de Paris, com que são tapados sofás, decorado o tecto do palco, vestidos os membros do casal e – apenas parcialmente – coberto o relógio, até que, num segundo momento, deitando-se por terra os garridos tecidos, aquando da revelação das prementes necessidades financeiras do casal e depois com o final do dueto entre Violetta e Giorgio Germont, se revela o branco interior dos sofás e vestido de Madamigella Valéry, o tom cinzento do tecto e o fato e gravata pretos de Alfredo. Finalmente, e no terceiro acto, fica o relógio ao centro e o tecto passa a ser de um preto profundo, indiciador de uma morte iminente. Omnipresente e transversal a todos os actos é a presença de um espectro da morte, com que apenas Violetta interage, salvo quando este se converte na figura do dottore Grenvil.


A nosso ver, esta encenação, não permitindo prescindir das encenações mais clássicas da ópera, permite ao público de hoje concentrar-se nas emoções e afastar-se de um contexto social que, mantendo-se de alguma forma actual, padece já de algum arcaísmo. A simplicidade e alguma jovialidade da mesma, porém, exige dos intérpretes uma figura e capacidades teatrais que, não sendo perfeitas ou inexistindo, torna-a, ou pode torná-la, menos interessante. Na sua estreia em 2005, Willy Decker contou com o casal de ouro daquele momento, Anna Netrebko e Rolando Villazón, cuja interacção foi absolutamente credível e inalcançável, tendo sido acompanhado de um competentíssimo Thomas Hampson. A comparação com a récita do Met torna-se pois imprescindível. E a nossa conclusão é a seguinte: se na estreia a encenação ajudou, nesta, que é já a sua segunda reposição no Metropolitan, prejudicou em geral a récita.


Natalie Dessay, conhecida pelas suas enormes capacidades como actriz, não brilhou. A idade não lhe permite ser convincente como foi Netrebko, o que não teria acontecido numa encenação mais tradicional, atendendo à forma como, ainda assim, consegue lidar com o papel. Por outro lado e principalmente, esteve longe da perfeição vocal e técnica que a caracterizam. Depois de ter cancelado a primeira récita de La Traviata dias antes por motivos de saúde, voltou para a segunda com uma voz ainda por recuperar e claramente em sofrimento, o que se notou até quando foi entrevistada por Deborah Voigt a seguir ao final do primeiro acto, em que, com uma humildade notável, admitiu e se desculpou por ter falhado notas altas, e que infelizmente piorou ao longo do espectáculo. O semblante triste com que se apresentou às ovações com que, ainda assim, foi recebida pelo simpático público, dispensa mais comentários da nossa parte, que não podemos julgar uma voz claramente diminuída por motivos de saúde. Fica o desejo de a ouvirmos na próxima temporada como Cleópatra na ópera Giulio Cesare de Haendel.


Matthew Polenzani mostrou-se com uma voz muito acertada e afinada, com um timbre belíssimo e constante. No entanto, apesar de ter estado globalmente bem em termos vocais, falhou na interpretação. Começou por aparecer estranhamente tímido para um homem caracterizado como sendo de meia idade, quase com medo do contacto com a sedutora Violetta, para depois se transformar numa figura quase infantil, especialmente junto do pai, o que, atendendo a que quase pareciam ser da mesma idade, foi bastante inverosímil. Perde, portanto e por muito, para Villazón, que a seu dia foi cenicamente perfeito e vocalmente muito mais poderoso e brilhante. Curioso foi o comentário que fez quando questionado sobre como era cantar Alfredo, ao referir que o papel não o entusiasmava particularmente e que não lhe tinha visto nunca um encanto especial, mas que fazê-lo contracenando com Dessay ajudava...


Destacou-se positivamente Dmitri Hvrostovsky. Hoje em dia o “menino bonito” do Met, apresentou uma interpretação muito boa, ao nível a que nos tem acostumado e que já tivemos o prazer de confirmar escutando-o ao vivo na Fundação Gulbenkian. O ar altivo que sempre o caracteriza fazia-nos esperar, contudo, uma presença mais interessante enquanto pai castrador e dominador. Não se percebeu especialmente a ironia com que se confrontou com Violetta no início do segundo acto, nem nos parece coerente a gargalhada que soltou ao deparar-se com as contas que Violetta lhe apresenta para provar que não se estava a servir de Alfredo economicamente. Tirando este pequeno pormenor, foi claramente o melhor da tarde, mas não se superiorizou à fabulosa interpretação de Thomas Hampson.

Quantos aos restantes cantores e figurantes, alguns "importados" da La Traviata de Salzburgo, como foi o caso do dottore Grenvil, mais velho e magro, cumpriram na íntegra os seus pequenos papéis. Igual comentário se estende ao coro.

Finalmente, a orquestra do Metropolitan esteve em bom plano, muito bem conduzida pelo maestro italiano Fabio Luisi, em fase de grande intensidade artística, num mês de Abril em que dirigiu vinte récitas, um recorde no Met! Fazer um comentário mais detalhado implicaria, contudo, ouvir de novo a ópera e em melhores condições. Com efeito, estas transmissões gravadas em directo sofrem de alguns problemas na mistura do som, em que por vezes se destacam demasiado as vozes apagando a orquestra, o que aconteceu nesta récita mais do que nos parece ser normal. Mas sempre se pode dizer que a abertura, bem como o início do terceiro acto, foram interpretados com a intensidade dramática que a ópera impõe.

Em suma, foi uma récita aceitável de La Traviata, mas que não conseguiu funcionar como um todo coerente, quer ao nível vocal e da interpretação, quer também ao nível cénico. Caso pretendam ver e ouvir a aqui tão referida versão de Salzburgo, poderão fazê-lo comprando o respectivo DVD, cujo preço vale mais do que a pena pagar.

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(review in English below)

It is up to me to introduce the text about La Traviata that a great friend had the kindness of write. As you will see it is a text of enormous quality and reflective. Here it is to vows of that you find it enjoyable and that our friend can cooperate with us in a assiduously way.

We had the opportunity to attend the last transmission of the "Metropolitan Opera Live in HD" of 2012/2012 at the Gulbenkian Foundation. On stage the prestigious opera La Traviata by Guiseppe Verdi, brought to the stage with the acclaimed and controversial German Willy Decker's staging and musical direction of the current principal conductor of the Met, the Italian Fabio Luisi. The cast of unquestionable quality, was made by the French soprano Natalie Dessay, who played the role of the lost courtesan Violetta Valéry, the American tenor Matthew Polenzani, as the young and immature Alfredo Germont, and the Russian baritone Dmitri Hovostosky on the castrating role of Giorgio Germont, Alfredo's father and protector of established morality.

Premiered in 1852 at the Teatro La Fenice in Italy, the opera, which was adapted from the drama of Alexandre Dumas fils, The Lady of the Camellias, was deemed obscene by The Times of London, while it was a portrait of Parisian high society of the century XIX, the light of a "civilization that rots" (Eça de Queiroz, in A Cidade e as Serras). Used to topics that moved the audience away from its time and space, the moral censors of that time tried to force the opera to take place in the early eighteenth century, to hide the four walls where they lived and the libretto unveils, clear result of the combination of critical realism, which was becoming fashion, unveiling the misery of a society in a profound political transformation, and romantic idealism, which praised the individualism and the artist’s freedom.

Violetta Valery, the main caracter of the novel and the opera, is a gallant woman who lives professionally of her charms and the target of the desire of all men who face the "love" of the indifferent (Folie, delirio vano è questo) and experienced luxury courtesan, well-regarded practice of yesterday and today, as the supreme and most difficult victory to achieve, when compared with the adolescent love of caste young woman, of which the family is the sentinel. When confronted by Alfredo, a young and naive member of a society to whose corruption unconsciously resists, Violetta vacillates between the acceptance of Alfredo’s true love (Saria per me sventura un serio amore?) and the freedom sense to which she is used to (Sempre libera), at the end  opting to abandon and renounce Alfredo de l'aride folie del viver mio. In sum, Violetta does condemn the society she lives in, which, represented by the old Giorgio Germont, tries to call her back again (Ah, dunque sperdasi tal sogno seduttore!) and then to condemn her only for desiring to going astray (Traviata) of society and live according to the moral values proclaim on the record. Violetta quickly understands her fate (Così alla misera/ ch’è un dì caduta/ di più risorgere speranza è mutta/ Se pur benfico le indulga Iddio/ L’uomo implacabile per lei sarà) and, refusing to return to society, decides to die, finally surrendering herself to God (Della traviata... tu accoglila, o Dio!).

The staging by Willy Decker, premiered in Salzburg in 2005, criticized by some and loved by many, moving away from the social context profoundly marked the opera, and modernizes it, focusing almost exclusively on the experience and psychological complexity of characters and particularly, as well as in death, showing us our own finitude. For that, conversly to what is traditional, shows us a stage in a semicircle, which involves the audience in the action itself, naked and white, without subterfuge, where a massive and brutal clock stands, as a symbol of fate and death that the relentless Traviata may not escape. The opera develops itself in this clear and simple scenario, changing from act to act by the effect of the lights, colors and furnishings. In the first act a red couch stands out, as a symbol of the society’s dissolute and wild life, in sum the suffering, red color which is also the color of the Violetta’s dress, which lets her stand out from all members of the society, strangely dressed all, men and women, in black suit and tie. At the second act highlights, firstly, the colorful fabrics and floral motifs, representing the joy of the romantic couple after three months of retirement from Paris, and covering sofas, decorating the ceiling of the stage, dressing members of the couple and - only partially - covering the clock, until a second moment where, lying on the ground the gaudy fabrics, after the revelation of the pressing financial needs of the couple and the final duet between Violetta and Giorgio Germont turns to reveal white sofas and dress of Madamigella Valéry, as well as the gray tone of the roof stage and the black suit and tie of Alfredo. Finally, at the third act, the clock is at the center and the ceiling turns into a deep black, showing an impending death. Ubiquitous and cuting across all the opera is the presence of a specter of death, with whom only Violetta interacts, except when he becomes the character of the dottore Grenvil.

In our view, this staging, without dispensing the classical performances of the opera, allows the public of today to focus on the emotions and also to move away from a social context, keeping somewhat current, already suffers from some archaism. The simplicity and cheerfulness of the straging, however, requires stylish and sexy performers with amazing acting skills. When they are not perfect or do not have such qualities/capacities, it makes the staging less or not interesting. In its debut in 2005, Willy Decker directed the golden couple of the moment, Anna Netrebko and Rolando Villazón, whose interaction was absolutely credible and unreachable, and was accompanied by an accomplished Thomas Hampson. To compare Salzburg’s version with the recitation of Met becomes unavoidable. And our conclusion is this: if the premiere staging helped, this one of the Met, which is already its second replacement, has damaged the general recitation.

Natalie Dessay, known for hers enormous capabilities as an actress, did not shine. Age does not allowed her to be convincing as Netrebko was, which would not have happened in a more traditional scenario, given the way as Dessay handled the role. On the other hand and above all, Dessay was far from the perfect vocal technique that characterizes her. After canceling the first recitation of La Traviata days earlier due to health reasons, she returned for the second recitation with a voice yet not recovered and clearly in distress, which was evident even when she was being interviewed by Deborah Voigt after the end of the first act where, with a remarkable humility admitted and apologized for failing high notes. That unfortunately has worsened over the show. The sad face with which she appeared for the ovation of the kind and friendly public dispenses further comments from us. We cannot judge a voice clearly reduced for health reasons. We are already desiring to hear her superb voice next season as Cleopatra in Handel's opera Giulio Cesare.

Matthew Polenzani shown himself with a very correct and refined voice, with a beautiful and constant timbre. However, despite having been globally well vocally, failed when it comes to interpretation. Starting to appear strangely shy considering a man characterized as middle aged, almost afraid of the contact of the seductive Violetta, then became a childlike character, especially with the father, which, looking to be almost of the same age, was very implausible. Loses, and by far, to Villazón, who was scenically perfect and vocally much more powerful and brilliant in his day. Curious was the comment he made when he was asked on how it was to sing Alfredo’s role, stating that the role does not particularly excited him as he never saw a special charm in it. However, to interact with Dessay was a good help to like the role...

Dmitri Hvrostovsky stood out positively, presenting a very good interpretation, at the level he used us to and that we've had the pleasure of confirm by listening him live at the Gulbenkian Foundation. The self-important attitude that has always characterized him, however, would make us except a more interesting interpretation as a castrating and domineering father. It is not particularly understandable the irony with which he confronted Violetta at the beginning of the second act, and neither the laughter he released when analyzing the bills Violetta reveals to him in order to prove that she was not taking advantage of Alfredo economically seemed consistent. Apart from this small detail, Hvrostovsky was clearly the best of evening, although being not fabulous or better than Thomas Hampson.

As to other singers, some "imported" from La Traviata in Salzburg, as it was the case of dottore Grenvil, older and less fat, have fully complied with their small roles. Same comment extends to the choir.

Finally, the orchestra of the Metropolitan was in good plan, very well conducted by Italian maestro Fabio Luisi, undergoing intensive artistic, directing only in April for twenty ocasions, a record at the Met! Making a more detailed comment would imply, however, to hear the opera again and in better conditions. Indeed, these broadcasts recorded live suffer from some problems in mixing the sound, as sometimes the voices stand out too much erasing the orchestra’s sound, which have happened in this recitation more than in others. But we may always say that the overture of the opera and the beginning of the third act were interpreted with the dramatic intensity this opera requires.

In short, it was an acceptable performance of La Traviata, but failed to perform as coherent as a whole, both in voice and interpretation, and also scenically. If you wish to see and hear that version of Salzburg, you may buy its DVD, which is very worth paying.

sábado, 21 de abril de 2012

Idomeneo, Theatro Municipal de São Paulo


AS SURPRESAS DE IDOMENEO NO THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO.

Theatro Municipal de São Paulo

Mais um texto de Ali Hassan Ayache do blogue Música, Ópera & Ballet que agradecemos e publicamos na íntegra:

O anúncio oficial, do nobre Theatro Municipal de São Paulo, informa que a apresentação da ópera Idomeneo de Mozart como "concerto cênico". Não foi o que aconteceu, a surpresa foi ver a ópera com montagem completa. Tomei um susto quando entrei no teatro e vi a orquestra no alto e na frente, imaginei qual era a surpresa? Depois da abertura ela desceu suavemente para seu devido lugar.

Surpresa amarga: Diretores de ópera tem a mania de querer transportar a ação para tudo quanto que é lugar. Alguns adoram o atemporal, outros gostam de avançar algumas décadas e os mais ousados falam em séculos. Não tenho nada contra esse tipo de ideia. O perigo das transposições é cair no ridículo em algumas cenas, é o exagero na "concepção". O Idomeneo apresentado no último dia 14/04/2012 teve direção cênica de Regina Galdino, a nobre diretora extrapolou no direito de viajar na ação. Transpôs tudo para a atualidade onde deuses da mitologia grega viram banqueiros inescrupulosos, o povão se manifesta contra os altos juros cobrados e a bolsa de valores cai. Concepção que não combina com o tema, a mitologia greco-romana.

Conversas por computador e presos oprimidos tentam mostrar o lado atual da concepção, fica tudo embolado. É complicado adequar mitologia aos dias atuais. Figurinos normais, o deus Netuno aparece com roupas estampadas em reais e dólares. A ideia de colocar o deus em cena não é nenhuma novidade, já foi utilizada em Salsburg/2006. O deus tinha roupas mais adequadas a um ser celeste.


 Defendo a apresentação da obra conforme escrita pelo compositor, sou purista nesse ponto. A ideia de tirar os longos e muitas vezes cansativos recitativos e colocar uma narradora deu uma bela dinâmica e reduziu o tempo da ação, uma surpresa interessante. Para quem não conhece a obra e não tem contato com a mitologia grega é uma mão na roda. Quem conhece a obra fica com a sensação que faltou alguma coisa.
A Orquestra Sinfônica Municipal regida por Rodolfo Fisher mostrou sonoridade volumosa e andamentos interessantes, o problema foi a falta do estilo mozartiano na apresentação da obra. A regência de Rodolfo Fisher toca Mozart como uma ópera romântica, como se ele tivesse vivido uns cem anos depois. O Coral Lírico se mostrou eficaz como sempre. Sua sonoridade foi muitas vezes atrapalhada pelas maluquices da direção.

 Gabriella Pace 
 
 Os solistas arrebentaram, a maioria em noite inspirada e digna de um verdadeiro canto mozartiano. O mezzo-soprano Luisa Francesconi mostrou uma voz uniforme, um timbre escuro e uma bela atuação cênica. Um Idamante empolgante. Sua voz está tinindo, no ponto certo para interpretar outros papéis do repertório. Outra surpresa foi Gabriella Pace, o soprano cantou com maestria, detentora de uma técnica perfeita, agudos brilhantes, vivos e empolgantes. Seu timbre mudou de acordo com os sentimentos da personagem, áspero nos momentos de desespero e lírico nas partes animadas. Gabriela Pace acertou em cheio, compôs uma grande Ilia, digna de sentar ao lado do deus Netuno e cantar uma longa ária para acalmá-lo.

 Luisa Francesconi

 O tenor Miguel Geraldi mostrou uma voz pequena, isso não é nenhum demérito, seu timbre é puro lirismo. Empolga e se mantém constante do começo ao fim da apresentação. Fez um Idomeneo completo. A baixa ficou por conta de Claudia Riccitelli, com uma virose não pode se apresentar. Em seu lugar entrou o soprano Janete Dornelas, chamada de última hora, chegou as duas da manhã no dia da apresentação e às sete horas já estava ensaiando. Cantou Electra cinco anos antes, relembrou as árias e conseguiu um belo timbre de soprano dramático. Tirou leite de pedra.

Quem não acertou a mão foi Marcos Liesenberg, sua voz não tem a solidez necessária de um Mozart. Emissão quase sempre áspera e irregular, que troca agudos por gritos agressivos. Será que Mozart compôs isso? Duvido, seu Arbace/Sacerdote foi o elo fraco entre os solistas, fez uma interpretação contida com troca qualidade melódica transformando-se em gritos.

 As surpresas mostram a organização e a desorganização do grande teatro paulistano: A direção conseguiu um sorprano de última hora , que cantou com dignidade e salvou a récita. O desagradável vem quando anuncia-se concerto cênico e se monta uma ópera completa. Todos os meios de comunicação divulgaram conforme o anunciado, algumas pessoas nas redes sociais reclamaram do erro e culparam a imprensa. O Theatro Municipal de São Paulo deve saber o que vai fazer, programar com antecedência o espetáculo e anunciar o correto. Todos os grandes teatros líricos do mundo divulgam suas programações com meses ou anos de antecedência, esse é o exemplo a ser seguido.

Theatro Municipal de São Paulo

terça-feira, 17 de abril de 2012

Gustav Mahler Jungendorchester — 16 de Abril de 2012, FCG


(review in English below)


A música é uma arte que nos pode suscitar o mais alargado espectro de sentimentos e que nos envolve numa espécie de amplexo físico poderoso e petrificante. É, no fundo, a arte sublime do assombro!

E o espectáculo — aliás, os espectáculos — que David Afkham e a Orquestra Juvenil Gustav Mahler nos proporcionou foi, sem sombra para dúvidas, um estrondo assombroso. Magnífico!


O Crepúsculo dos Deuses é mais uma obra do compositor alemão Richard Wagner que nos transporta para momentos de exaltação. A qualidade da composição é divina. E a sala da Gulbenkian com vista para o jardim no crepúsculo foi o ambiente ideal para ouvir mais uma interpretação wagneriana de qualidade irreprimível.
Realmente, o único elemento menos bem foi o soprano Iréne Theorin: uma vez mais, teve enormes dificuldades em projectar a voz de modo audível nos tons mais graves e, quando se lhe pediam agudos, chegou a dá-los gritados… Uma pena!


A Sinfonia n.º 7, em Dó maior, op. 60 "Leningrado" é uma obra sinfónica de Dmitri Shostakovitch, provavelmente o último grande sinfonista da história da música. Não conhecer a sua obra, ou desprezá-la pela sua contemporaneidade, significa não só um erro, como, o que é pior!, uma irreparável perda.
A interpretação que ouvimos foi brilhante! O primeiro andamento — Andante — revela-nos o "tema da invasão" que tem um ostinato que se inicia com um pizzicato muito suave nas cordas e que é um crescendo marcial impressionantemente poderoso que termina num clímax apoteótico e destruidor: podemos dizer que o estrondo sonoro é tal que não cremos ser possível que alguém se consiga levantar da cadeira, de tal modo forte é a mão que Shostakovich impõe sobre a nossa cabeça e nos subjuga ao lugar de espectador incrédulo! E toda a composição é de uma beleza e poderio extraordinários. Para ouvir e reouvir.


Uma palavra muito especial a David Afkham: este maestro alemão é soberbo. Está já num nível estratosférico: nunca sentimos a presença de um maestro tão vibrante e sedutoramente transmissor de música. Funde-se totalmente com a orquestra e, mesmo nos momentos mais poderosamente caóticos, o som nunca entra numa espiral de distorção e vem sempre carregado de um brilho e precisão quase impensáveis. Qualquer descrição diminui a sua qualidade: David Afkham apresenta-se e dá-se a conhecer ouvindo-o. Arrasador! BRAVO!
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(review in English)

Music is an art that can raise a broader spectrum of feelings and takes us to a kind of embrace powerful and petrifying. It is, in the end, the sublime art of wonder!

And the concert - in fact, the concerts - David Afkham and the Gustav Mahler Youth Orchestra gave us was, without a shade of doubt, incredibly amazing. Magnificent!

The Gotterdammrung is another Richard Wagner’s work that transports us to moments of exaltation. The quality of the composition is divine. And the Gulbenkian room overlooking the garden at dusk was the perfect environment to listen to an Wagnerian interpretation of an irrepressible quality.
Really, the only element less well was the soprano Irene Theorin: once again, she had great difficulty in projecting the voice audibly in low tones and sharp when she was told, came to give them screaming ... What a pity!

Symphony no. No. 7 in C major, op. 60 "Leningrad" is a symphonic work of Dmitri Shostakovich, probably the last great symphonist of music history. Not knowing his work or despise it for its contemporary, means not only a mistake, but, what is worse!, an irreparable loss.
The interpretation we heard was brilliant! The first movement - Andante - reveals the "invasion theme" which has an ostinato that begins with a very soft pizzicato in the strings and it is a martial crescendo impressively powerful that ends in a apotheotic climax. We can say that the amount of sound is such that we do not believe it possible that someone can raise the chair, so strong is the hand that Shostakovich imposes on our head and overwhelms us to the our spectator’s seat! And the whole composition is of extraordinary beauty and power. It is to hear and hear again.

A very special word to David Afkham: This German conductor is superb. He has a stratospheric level yet. We never felt the presence of a conductor as vibrant and seductively transmitter of music. He merges seamlessly with the orchestra, and even in the most powerfully chaotic moments, the sound never goes into a spiral of distortion and it is always full of a brightness and precision almost unthinkable. Any description diminishes his quality: David Afkham shows up and gives himself to be known by listening him conducting. Astonishing! Bravo!