sábado, 9 de fevereiro de 2013

LES CONTES D’HOFFMANN, Liceu, Barcelona, Fevereiro de 2013



 (review in English below)

 Les Contes d’Hoffmann é uma ópera de Jacques Offenbach com libreto de Jules Barbier baseado em contos de ETA Hoffmann.


 A acção passa-se em Nuremberg no início do Século XIX. Hoffmann bebe com os amigos e Nicklausse (a sua musa protectora transformada). Conta a história de três casos de amor anteriores que ilustram facetas do seu actual relacionamento infeliz com a cantora Stella, que é desejada por Lindorf, um político sem escrúpulos. A primeira é Olympia, uma boneca mecânica construída por Spalanzani, em Paris. A segunda em Munique, é Antónia que, contrariando as ordens do seu pai, morre por cantar, na sequência de uma indicação nesse sentido do Dr. Miracle. A terceira, em Veneza, é Giulietta uma cortesã que tira o reflexo às pessoas por ordem de Dapertutto. No final está bastante bêbedo e adormece após um diálogo com Stella que é levada por Lindorf.


 A encenação Laurent Pelly é interessante e sóbria, num palco com grande mobilidade, mas excessivamente escura. Tem momentos bem conseguidos, salientando-se a ária de Olympia, a boneca, que está sentada num suporte mecânico e, sempre que canta notas mais agudas, eleva-se no ar. Só no final da ária se vê todo o mecanismo. Na cena de Antonia o aparecimento do Dr Miracle rapidamente em vários locais do palco, alguns opostos, é interessante Também a cena em que Giulietta rouba o reflexo a Hoffmann é engraçada, pois há um grande espelho no centro do palco que facilita a acção. Tudo o resto é mais convencional.


 A direcção musical foi morna, sob a batuta de Stéphane Denève. Cumpriu sem empolgar e foi vaiado no início do 3º acto, algo que o maestro não gostou, interrogou-se sobre as razões encolhendo os ombros e sugeriu, com movimentos dos braços, que quem vaiava poderia trocar de lugar com ele. Um momento invulgar que apimentou o espectáculo mas que não é, de todo, inesperado em Barcelona.


 Neste teatro, onde já assisti a muitos espectáculos, o público é particularmente exigente, o que é bom, mas também muito ruidoso (com tosses, conversa e outros ruídos), o que é mau. Mas o Liceu é um dos grandes teatros de ópera europeus.

A Orquestra Simfònica del Gran Teatre del Liceu cumpriu sem encantar, com algumas falhas. O Coro del Gran Teatre del Liceu esteve ao mesmo nível.

A Stella do soprano Susana Cordón foi agradável. A cantora tem uma boa voz, bem audível e uma cativante presença em palco. A ária final foi a melhor.


 O soprano sul-coreano Kathleen Kim foi excepcional como Olympia. A voz tem um registo agudo, óptimo para o papel. A cantora foi perfeita na interpretação, as notas mais altas foram luminosas e cativantes. Cenicamente foi também insuperável. Brilhou na sua ária Les oiseaux dans la charmille. A melhor da noite.


 Natalie Dessay, soprano francês que tanto gosto, fez uma Antonia de excepcional presença cénica (Dessay é uma actriz que canta). Foi marcante na ária Elle a fui, la tourterelle. Continua a cantar de forma notável e com um volume vocal assinalável, mas a voz já não lhe sai como outrora, denotando algum desgaste. Mas foi muito boa.


 Não gostei do soprano russo Tatiana Pavlovskaya que fez a Giulietta A voz foi agressiva, sem beleza tímbrica e o fraseado deficiente. A famosa e belíssima barcarola Belle nuit, ô nuit d’amour saiu prejudicada.

Óptima foi a interpretação do mezzo canadiano Michèle Losier como musa / Nicklausse. A voz é bonita, potente e esteve sempre afinada durante toda a récita. A cantora também teve uma boa presença cénica.


 Outro dos melhores da noite foi o baixo-barítono francês Laurent Naouri que encarnou os papéis diabólicos, Lindorf / Copéllius / Doctor Miracle e Dappertutto. Tem um registo grave muito interessante, a voz é bonita e de grande musicalidade. O cantor tem uma excelente figura o que o ajudou muito na superior prestação cénica que teve.


 Michael Spyres, tenor norte-americano, foi um Hoffmann muito ágil em palco. Tem uma voz de grande beleza, com agudos aparentemente fáceis e de grande qualidade. Achei que a qualidade que foi crescendo ao longo da récita, oferecendo-nos uma personagem muito credível. Um cantor a seguir.


Nos papéis mais secundários houve prestações heterogeneas, mas gostaria de salientar, pela sua grande qualidade, a voz de Salomé Haller que interpretou, atrás do palco, a falecida mãe de Antónia.







No final da récita esperei por Michael Spyres para lhe agradecer pessoalmente a entrevista que nos deu aqui. Confirmei o que já suspeitava, é uma pessoa de grande afabilidade e simpatia que, mais uma vez, se mostrou muito disponível e sem quaisquer laivos de vedetismo! Obrigado Michael!



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NOTA: Acabo de saber que o canal Mezzo irá transmitir esta produção, em directo, no próximo dia 23 às 19h00, com o elenco que aqui comentei.


LES CONTES D’HOFFMANN, Liceu, Barcelona, ​​February 2013

Les Contes d'Hoffmann is an opera by Jacques Offenbach with libretto by Jules Barbier based on tales of ETA Hoffmann.

The action takes place in Nuremberg in the early nineteenth century. Hoffmann drinks with friends and Nicklausse (his muse protective transformed). He tells the story of three previous love affairs that illustrate facets of his current unhappy relationship with singer Stella, who is wanted by Lindorf, an unscrupulous politician. The first is Olympia, a mechanical doll built by Spalanzani in Paris,. The second, in Munich, is Antonia that, contrary to the orders of her father not to sing, she dies singing, following an indication by Dr. Miracle. The third, in Venice, a courtesan Giulietta takes is the shadow from people by order of Dapertutto. At the end he is quite drunk, he has a dialogue with Stella,and falls asleep. Stella leaves.

The staging by Laurent Pelly is interesting and sober. The stage has great mobility, but all is too dark. There are some good moments. I highlight the aria of Olympia, the doll, that sits on a mechanical support, and whenever singing higher notes, she rises in the air. Only at the end of the aria we see the whole mechanism. At the scene of Antonia the appearance of Dr Miracle rapidly in various locations, some opposed, is also an interesting effect on stage. When Giulietta steals Hoffmann’s reflex it is interesting because there is a large mirror in the center of the stage that facilitates action. Everything else is more conventional and not exciting.

 The musical direction was trivial, under the baton of Stéphane Deneve. He was no thrill and was booed early in the 3rd act, something the maestro did not like. By gestures, he wondered why and suggested who hissed, with arm movements, that could change places with him. An unusual moment that peppered the performance but that is not at all unexpected in Barcelona.

In this theater, where I attended many operas in the past, the public is particularly demanding, which is good, but also very noisy (coughs, conversation and other noises), which is bad. But the Liceu is one of the great European opera houses.

The Orchestra Simfònica del Gran Teatre del Liceu played without charm, and with a couple of flaws. The Corus del Gran Teatre del Liceu as well.

Stella was Spanish soprano Susana Cordón agradável. She is a singer with a good voice, always well heard, and a captivating stage presence. Her final aria was the best.

South Korean soprano Kathleen Kim as Olympia was exceptional. The voice has a nice  high register, well fitted for the role. The singer was perfect, her high notes were bright and captivating. Artistically she was also unsurpassed. She was fabulous in her aria Les oiseaux dans la charmille.The best of the night.

Natalie Dessay, French soprano that I like very much, made an exceptional Antonia on stage (Dessay is an actress who sings). Her aria Elle a fui, la tourterelle was impressive. She continues to sing very well and with a remarkable vocal volume, but the voice is no longer as before. But she was very good.

I did not like Russian soprano Tatiana Pavlovskaya who was Giulietta. Her voice was aggressive without beauty of timbre and her phrasing deficient. The famous and beautiful barcarole Belle nuit, ô nuit d’amour became less attractive.

Great was the interpretation of Canadian mezzo Michèle Losier as Muse / Nicklausse. The voice is beautiful, powerful and has always been tuned throughout the performance.
The singer also had a good stage presence.

Another of the best of the night was the French bass-baritone Laurent Naouri who played the diabolical roles of  Lindorf / Copéllius / Doctor Miracle and Dappertutto. He has a very interesting low register, his voice is beautiful and has great musicality. The singer has a good figure which helped a lot in providing his scenic action.

Michael Spyres, North-American tenor, was a very agile Hoffmann on stage. He has a voice of great beauty, with seemingly easy top notes, always with high quality. His singing was growing and improving along the performance, offering us a very credible character. A young singer to follow!

In secondary roles singers were more heterogenous but I point out, for her high quality, the voice of French soprano Salome Haller who sang offstage stage, the dead mother of Antonia.


At the end of the show I waited for Michael Spyres to thank him personally the interview he gave us here. I confirmed what I already suspected, Spyres is a person of great kindness and friendliness that, once again, was very nice and without any hints of vanity! Thank You Michael!

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8 comentários:

  1. Leio com muito prazer mais uma vez o vosso blog ainda estando em Barcelona. O Fanático_Um foi a uma récita com o primeiro elenco: com Dessay e Michael Spyres. Eu foi ao segundo elenco com a Eglise Gutiérrez (fazendo tudo: Stella, Antonia e Gulietta) e com Ismael Jordi no Hoffmann. Nessa noite, 3ª feira 5/Fev, a Gutiérrez foi apupada no fim. Talvez injustamente, mas de facto não brilhou, até porque o que a Kathleen Kim nos deu no primeiro acto na "Les oiseaux" colocava a fasquia muito alta para o resto da noite. Contudo o Jordi foi um excelente Hoffmann e muito bem recebido, mas claro, longe de uma ovação como as que o Michael Spyres na entrevista lhe diz serem fáceis nos EUA.

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    1. Obrigado pelo seu comentário.
      Dizia-me quem estava sentado ao meu lado (e que também tinha assistido à récita de 5/Fev que refere) que este elenco era melhor, nomeadamente a distribuição feminina. Mas concordo consigo, a Kathleen Kim foi a melhor e nenhuma das outras a igualou, embora cenicamente a Natalie Dessay tenha sido fabulosa.
      Penso que o Spyres percebeu bem o âmbito da minha pergunta sobre as diferenças entre os públicos nos EUA e na Europa...

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    2. Caro Fanático_Um, imagino o que Natalie terá feito como Antónia... É que a Natalie Dessay jamais descurará a parte cénica, por ser o que ela mais gosta. Deverá conhecer certamente a entrevista dela ao Charlie Rose na PBS em que os primeiros 10 minutos são com ela a contar (para choque de muitos melómanos) que nunca quis estar no mundo da ópera, pois o sonho juvenil, e ainda de hoje, é ser actriz de teatro e que a ópera veio por acidente. (http://www.youtube.com/watch?v=vgRugIHYzsg).
      Sobre os apupos da 3ª feira já falei com um colega Alemão e um Croata no dia seguinte, que estavam lá sem sabermos uns dos outros, e eles também ficaram desconfortáveis com o qu aconteceu. Mas no Liceu parece que não é raro surgirem.
      Talvez não seja só nos EUA que o público é mais contido. No Covent Garden, pelas experiências lá, é raro haver um apupo.
      Melhores cumprimentos, e obrigado pelo vosso blog.

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    3. Caro Francisco,
      Obrigado pela referência. Não conheço e vê-la-ei com toda a atenção logo que me seja possível.
      Em relação a manifestações de desagrado, elas acontecem muito pela Europa, sobretudo nos países do sul. Mas tem sido no Liceu onde tenho assistido às mais significativas e, até, a coisas muito "interessantes e originais". Conto escrever algo sobre isso lá mais para a frente, quando esgotarmos os muitos espectáculos de ópera que já vimos e ainda não colocámos no blogue.
      Para mim o grande "problema" do público nos EUA é terem um impulso quase patológico para o aplauso e fazerem-no sempre muito cedo, não deixando ouvir a música e os cantores até ao fim (seja bom ou mau), situação em que estão muito bem acompanhados pelos italianos mas, com estes, a coisa pia mais fino porque há também apupos a sério, frequentemente.
      Obrigado pelas suas simpáticas palavras e volte sempre aos comentários. É graças a comentários como o seu que o blogue se torna mais rico e informativo para quem o lê, incluindo nós próprios.
      Cumprimentos

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  2. Caro Fanático,
    a crônica, como sempre, está excelente!
    Fiquei imaginando o mal estar do maestro com as vaias. Mais uma vez me senti no teatro!
    Obrigado por compartilhar e um grande abraço

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    1. Caro António,
      Obrigado pelo seu comentário generoso. Terá sido uma situação embaraçosa para o maestro, mas em Barcelona (e não só) é uma situação habitual para a qual os artistas têm que estar preparados quando não atingem aquele patamar qualitativo que o público mais conhecedor deseja.

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  3. Bem se vê que foi uma récita com vários pontos de interesse.
    Fica bem patente a pertinência da pergunta a Michael Spyres acerca dos públicos europeus: são muito mais difíceis de agradar, embora, na minha opinião, a forma como revelam o seu desagrado chegue, muitas vezes, a roçar a má educação, o que vai em desencontro com a maior educação musical que, provavelmente, possuem. No Scala, quando fui ver o Don Giovanni, Barenboim também foi vaiado. Mas o comportamento também varia com o carinho do público. Por exemplo, nessa récita em Milão, Anna Proshaka esteve no limite da afinação e foi ovacionada, ainda que comedidamente...
    Confesso não gostar muito dos Contos, mas com o elenco apresentado, deve ter valido bem a pena!

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    1. Caro Amigo e colega de blogue,
      Há muito a dizer sobre os aplausos ou os apupos. Sugiro que esse será um bom tema para "conversa" específica futura no blogue.
      Os Contos também não é uma das minhas óperas favoritas, mas tem muitos motivos de grande interesse e beleza musicais. Depois, ao vivo, podem sempre surgir uns "extras", como foi o caso na récita que assisti...

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