sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Rigoletto de Guiseppe Verdi – MET Live in HD, FCG, 16.02.2013


(Review in English below)
A ópera Rigoletto de Guiseppe Verdi (1813-1901) foi estreada em 1851 no Teatro La Fenice em Veneza. O libreto resulta da estreita colaboração entre o compositor e o libretista italiano Francesco Maria Piave e baseia-se na peça Le Roi s’amuse do escritor francês Victor Hugo escrita em 1832. 

A peça foi alvo da censura francesa e não se pôde apresentar durante dezenas de anos, mas suscitou o interesse de Verdi que procurava uma história marcante e com personagens de carácter forte para a sua nova ópera. A sua escolha também foi alvo da censura austríaca, à época potência dominante no norte de Itália. Esta considerou o texto de “uma moralidade repugnante e obscena trivialidade”. Depois de várias alterações, a ópera inicialmente intitulada La Maledizione passar-se-ia a chamar Rigoletto e a sua acção deslocar-se-ia para o reino de Mântua que pertencia à família Gonzaga, entretanto extinta, o que permitia não ofender qualquer susceptibilidade. A sua recepção foi apoteótica e, desde então, Rigoletto é uma das óperas iconográficas de Verdi e uma das mais representadas em todo o mundo, tendo sido, segundo o site Operabase, a 10.ª ópera mais representada mundialmente entre 2006 e 2010. Tem, pois, um lugar cativo e altamente meritório na história da ópera!
A história desenrola-se, habitualmente, em torno do triângulo Rigoletto (corcunda e bobo da corte), o Duque de Mântua (aristocrata galanteador) e Gilda (filha de Rigoletto e apaixonada pelo Duque), sempre com o pano de fundo trágico relacionado com a maldição lançada por Monterone a Rigoletto e que se viria a concretizar. Poderão ler um resumo detalhado aqui.



A encenação do norte-americano Michael Mayer marca a sua estreia como encenador de uma ópera. A acção desloca-se para o colorido da frenética Las Vegas dos anos 60 do século XX. O primeiro e segundo actos abandonam um palácio para se situarem num luminoso casino, a segunda cena do primeiro acto deixa a casa de Rigoletto para ser um convencional apartamento americano e o terceiro acto deixa a taberna e passa para um clube nocturno de striptease.


As personagens também mudam: o duque transforma-se em proprietário de casino ao estilo Frank Sinatra, o corcunda metamorfoseia-se em comediante de casino, o assassino e taberneiro Sparafucile passa a empresário mafioso da noite de qualidade duvidosa, a condessa Ceprano apareceu à moda de Marilyn Monroe.


Podemos dizer que a contemporaneidade da temática de Rigoletto assenta como uma luva na luxuriosa Las Vegas dos anos 60. A encenação foi, assim, muito interessante e conduziu-nos num tempo menos remoto pela história de uma forma exemplar, pelo que foi uma modernização muito feliz.
Poderão ouvir uma entrevista ao encenador, Beczala e Lucic nos ensaios e uma outra entrevista apenas com o encenador que o MET disponibiliza no seu sítio.


(www.metoperafamily.org)

O tenor polaco Piotr Beczala foi o Duque de Mântua. A sua voz é potente e segura nos vários registos e tem um agudo muito fácil, vibrante e claro que se adapta muito bem ao papel. Esteve vocalmente em muito bom nível, nível que acompanhou também do ponto de vista cénico onde foi muito convincente. Os seus Questa ou quella, E i sol dell’anima, Ella mi fu rapita e La donna è mobile foram de enorme qualidade ao nível a que nos tem habituado. É um dos melhores tenores da actualidade e foi, indubitavelmente, o melhor da noite. Fica um vídeo para vos mostrar parte daquilo a que se assistiu.

(www.metoperafamily.org)

O barítono sérvio Zelijko Lucic foi Rigoletto. Tem uma voz com um timbre bonito que suporta geralmente bem, mas apresentou algumas dificuldades na modulação entre os registos mais agudos e graves. Cenicamente convenceu. Em Pari siamo esteve muito bem, mas no dueto Figlia!/Mio padre! não foi tão seguro e teve algumas falhas. A mais famosa ária Cortigiani, vil razza dannata foi interpretada num bom nível e teve um final com È morta! Ah! La maledizione! com muita potência.


A soprano coloratura alemã Diana Damrau foi Gilda. A sua voz tem um timbre belíssimo com um agudo cristalino e muito seguro que se adequa perfeitamente a este papel. As suas modulações são perfeitas e aliadas a uma técnica exemplar. Cenicamente esteve muito bem. Na mais famosa ária Caro nome esteve em excelente plano e com um estilo muito adolescente, o mesmo se podendo dizer no dueto Figlia!/Mio padre! que aqui fica em vídeo disponibilizado pelo MET.

(www.metoperafamily.org)


Uma palavra para Stefan Kocán que foi Sparafucille: esteve em óptimo plano vocal e tem um timbre grave muito bonito e seguro que projecta muito bem. Não se pode exigir mais neste papel. Brilhante!
Os restantes elementos estiveram em bom plano, nomeadamente, Jeff Mattsey (Marullo), Robert Pomalov (Monterone) e Oksana Volkova (Maddalena).



A interpretação da partitura pelo jovem maestro italiano Michele Mariotti foi de qualidade, colorida e viçosa e, claro está!, foi muito bem acompanhado pela Orquestra do Metropolitan, bem como pelo Coro.

Foi, portanto, uma récita de elevada qualidade e com diversos pontos de interesse: uma encenação moderna e adequada e interpretações vocais de bom nível. Uma das mais equilibradas récitas das transmissões do MET desta temporada.

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(Review in English)


The opera Rigoletto by Giuseppe Verdi (1813-1901) was premiered in 1851 at the Teatro La Fenice in Venice. The libretto result of close collaboration between the composer and Italian librettist Francesco Maria Piave and is based on the play Le Roi s'amuse by French writer Victor Hugo written in 1832. The piece was targeted of French censorship and could not be present for decades, but has attracted Verdi who was looking for a story with striking and strong characters for his new commissioned opera. His choice was also targeted of Austrian censorship, at that time dominant potency in northern Italy. They considered the text of "a repugnant morality and obscene triviality." After several changes, the opera first entitled La Maledizione would be Rigoletto and its action would move into the realm of Mantua who belonged to the Gonzaga family, though extinct, which allowed not offending any susceptibility. Rigoletto’s reception was climactic and, since then, is one of Verdi's iconographic operas and one of the most represented throughout the world, having been, according to the site Operabase, 10th most represented opera worldwide between 2006 and 2010. It therefore has a special and highly meritorious place in the opera history!



The story takes place usually around the triangle Rigoletto (an humpbacked jester), the Duke of Mantua (aristocrat dangler) and Gilda (Rigoletto's daughter who was in love with the Duke), always with the tragic backdrop related to a curse laid by Monterone that will finally happen. You can read a detailed summary here.



The staging of the American Michael Mayer stage director marks his debut as an opera director. The action moves to the frenetic and colorful Las Vegas of 20th century sixties. The first and second acts usually in a palace moves to a bright casino, the second scene of the first act leaves Rigoletto’s house to be a conventional American apartment, and the third act leaves the tavern and goes to a striptease nightclub. The characters also change: the duke becomes Frank Sinatra-like casino owner, the hunchback metamorphoses into a modern casino comedian, and the assassin Sparafucile turn in a night mafioso businessman of dubious quality, the Countess Ceprano appeared Marilyn Monroe stylized.
We can say that the contemporary theme of Rigoletto rests like a glove in the luxurious Las Vegas of the 60s. The staging was therefore very interesting and led trough the history in an exemplary manner, but in a time less remote, so it was a very happy modernization.
You can hear an interview with the director, Beczala and Lucic in rehearsals and another interview with the director that MET offers on its website.

The Polish tenor Piotr Beczala was the Duke of Mantua. His voice is powerful and safe in every vocal tones and he has an easy, vibrant and clear high pitch notes that suits very well to the role. He was vocally in very good level, as well as scenically where he was very convincing. His Questa ou quella, E i sol dell’anima, Ella mi fu rapita e La donna è mobile were of the enormous quality level to which Beczala have accustomed us. He is one of the finest tenors actually and he was undoubtedly the best of the night. Here is a video to show you part of what we witnessed.

The Serbian baritone Zelijko Lucic was Rigoletto. He has a beautiful voice with a timbre that he generally supports well, but he had some difficulties in the modulation between the upper and lower registers. Scenically he convinced. In Pari siamo he was fine, but in the duet Figlia!/Mio padre! he was not so secure and had some flaws. In the most famous aria Cortigiani, vil razza dannata he was at a good level and had a end with È morta! Ah! La maledizione! plenty of power.

The German coloratura soprano Diana Damrau was Gilda. Her voice has a beautiful tone with a very safe sharp tone that fits perfectly in this role. Her modulations are perfect and allied to a exemplary technique. Scenically she did very well. In the most famous aria Caro nome she was in excellent plan and with a very adolescent style, the same can be said in duet Figlia!/Mio padre! of that we present a video provided by MET site.

A word to Stefan Kocán that was Sparafucille: excellent and very beautiful voice with a brilliant bass tone that he projects very well and secure. We cannot demand more in this role. Brilliant!
The remaining elements were in good plan, including Jeff Mattsey (Marullo), Robert Pomalov (Monterone) and Oksana Volkova (Maddalena).

The interpretation of the score by the young Italian conductor Michele Mariotti was of quality, colorful and vivid and, of course!, he was very well accompanied by the Metropolitan Orchestra and Choir.

It was therefore a performance of high quality and with various points of interest: a modern and adequate staging and vocal interpretations of good level. One of the most balanced performances of the MET live broadcasts this season.

6 comentários:

  1. Caro Fanático,
    fico feliz com a bem sucedida modernização do "Rigoleto".
    Essa relocação em Las Vegas foi genial ( no ambiente de arte, riqueza, decadência e crime que caracterizam cassinos, tudo pode lá ocorrer )
    Um grande abraço

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    1. Caro António,
      A deslocação para Las Vegas é feliz precisamente por esses aspectos que aponta e nesse sentido "fez sentido" enquanto tentativa de modernização. O texto também o facilita, pois é bastante actual.

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  2. Rigoletto is the next one I am waiting to see. I was familiar with the story line even before I became interested in opera. I am glad it was a strong performance.

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  3. Tive muita pena de não ter podido assistir. O seu relato ainda me deixa mais curioso e entristecido pela omissão.

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  4. Também não pude assistir...

    A opção cénica parece ter funcionado e gostava muito de poder ter visto se funcionava para o meu gosto.

    Cantores fantásticos!

    Crónica excelente!

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    1. Caro Wagner_fanatic,
      Eu, por regra, prefiro uma encenação clássica. Esta modernização correu bem, pois em nada adulterou a linha da história original e porque a acção foi transposta para um local e tempo adequados. Os próprios intérpretes - nomeadamente Lucic - consideram o mesmo.
      Aliás, nas entrevistas transpareceu a ideia de que o encenador tratou de alterar o local e tempo da acção e de adequar o guarda roupa, iluminação e cenários de forma coerente, mas que, de resto, deu total liberdade aos cantores para fazerem como quisessem do ponto de vista da interpretação.
      Uma das cenas mais interessantes e que correu melhor foi a do primeiro encontro entre Rigoletto e Sparafucile: o encontro foi no bar do casino entre copos de uísque com o sinistro Sparafucile a terminar entregando um cartão a Rigoletto. faltou focarem um cartão onde se lesse "Assassino profissional. Contactos...". O Pari siamo que se segue foi muito bem interpretado por Lucic à mesa do bar vazio com o empregado a limpar copos.
      O MET teve ainda, nesta modernização, um aspecto que achei peculiar e desnecessário: foi adaptar as legendas à encenação, utilizando expressões "mais modernas". Para quem conhece o texto em italiano não se revelou uma opção válida, pois nada tinham que ver com o original...

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