quinta-feira, 25 de junho de 2015

DIANA DAMRAU, METropolitan Opera, Nova Iorque /New York, Março 2015

(text in English below)

Como acontece ocasionalmente na Metropolitan Opera, os cantores disponibilizam-se para breves conversas com o público, autografando os seus CDs ou DVDs. Foi o caso em Março de 2015 com Diana Damrau.


A cantora é a protagonista de uma das óperas actualmente em cena, a Manon.



 Foram muitos os fans que esperaram pacientemente para com ela trocar umas breves palavras.




Como temos visto até nas transmissões MetLive, anda sempre acompanhada com o seu filho e, mais uma vez, assim aconteceu. Muito simpática e sorridente, assinou o seu recente CD da Lucia di Lammermoor e, generosamente, permitiu que a fotografasse, apesar de os funcionários da Met Opera nos terem informado que não o poderíamos fazer.


Obrigado Diana Damrau!



DIANA DAMRAU, METropolitan Opera, New York, March 2015


As sometimes happens in the Metropolitan Opera, the singers make them available for brief conversations with the public, signing their CDs or DVDs. This was the case in March 2015 with Diana Damrau.

The artist is singing one of the operas currently onstage, Manon.
 There were many fans who waited patiently for their chance to exchange a few words dith Damrau.
 As we have seen in METLive broadcasts, Diana Damrau is always accompanied with her son and once again, it was so.

 Very friendly and smiling, she signed her recent CD of Lucia di Lammermoor and generously allowed us to photograph her, although the Met Opera officials have informed us that we could not do it.

 Thank you Diana Damrau!

sexta-feira, 19 de junho de 2015

MANON, METropolitan Opera, Nova Iorque, Março / New York, March 2015

(review in English below) 

Manon de Jules Massenet é uma ópera baseada no romance de Antoine-François Prévost L´Histoire du Chevalier Des Grieux et de Manon Lescaut, novela que também serviu de base à ópera Manon Lescaut de Puccini. 

Manon, uma jovem que vai entrar para o convento, é desejada por Guillot de Morfontaine, um velho rico e devasso, mas é protegida das suas investidas pelo primo Lescaut. Guillot e De Brétigny estão acompanhados de 3 jovens cortesãs, Poussette, Javotte e Rousette. Manon admira as suas roupas e estilo de vida. Des Grieux conhece-a, apaixona-se e convence-a a ir viver com ele em Paris. Escreve uma carta ao pai a pedir autorização para casar com ela. Aparecem Lescaut e De Brétigny e este diz a Manon que o amante vai ser raptado a mando do pai e que, se ela quiser, poderá dar-lhe uma vida de luxo. Se o recusar, viverá pobre para sempre. Ela cede e Des Grieux é levado. Manon vive agora rodeada de dinheiro e luxo, como amante de De Brétigny, quando fica a saber pelo pai de Des Grieux que ele decidiu dedicar-se à vida religiosa depois do desgosto de amor. Vai procurá-lo a Saint Sulpice e, após confirmarem o amor que sentem um pelo outro, decidem fugir juntos. Na sua ânsia de vida luxuosa, convence Des Grieux a jogar com Guillot para ganhar mais dinheiro. Guillot perde, acusa Des Grieux de fazer batota, promete vingança e chama a polícia que prende Manon e lhe dá ordem de deportação para a Louisiana. Des Grieux, com a ajuda de Lescaut, consegue subornar os guardas e libertar Manon no porto de Havre. Ficam novamente juntos, reafirmam o seu amor, fazem planos para o futuro mas Manon, doente e exausta, não chega a ser deportada e morre nos braços de Des Grieux.



Nesta encenação de Laurent Pelly, simples e vazia, mas eficaz, a acção é trazida para o período da Belle Époque, cerca de século e meio após o romance ter sido escrito. No primeiro acto o cenário está encimado de casas em miniatura e uma escadaria que dá acesso à zona central do placo, sem adereços, onde grande parte da acção decorre. Na cena seguinte o quarto simples de Manon e Des Grieux está também colocado ao cimo de vários troços de escadas. Na primeira parte, Manon é uma jovem vestida de forma muito humilde e inocente. No 3º acto, nas margens do Sena, a encenação lembra um quadro de um pintor impressionista. Manon aparece na máxima exuberância (vestido, jóias e postura). Na cena seguinte, em Saint Sulpice, talvez a mais notável de toda a produção, dá-se o reencontro com Des Grieux, agora padre. Depois de uma rejeição inicial, Des Grieux não resiste e dá-se a reconciliação, deitando-se Manon na cama austera do amante e despindo-lhe o hábito. Segue-se a cena do jogo, onde apenas há as mesas como objectos no palco, com as interpretações vocais a superarem as cénicas, mas o glamour mantém-se. Finalmente, o último quadro, é um contraste total com os anteriores. Manon, desfigurada, é arrastada pelo chão, pontapeada e ultrajada pelos guardas. Apenas uns candeeiros sóbrios de rua estão no palco. Morre nos braços de Des Grieux.

A direcção musical foi do maestro Emmanuel Villaume.
Diana Damrau interpretou a Manon de forma marcante. A voz é segura, magnífica, bonita, com agudos aparentemente fáceis e de grande qualidade. Foi sempre bem audível, tanto quando cantou em forte como nos pianissimi. Cenicamente esteve ao mais alto nível, mas destaco a cena em Saint Sulpice e o último acto.




Des Grieux foi interpretado pelo Vittorio Grigolo, que já vira neste papel em Londres há uns anos. Hoje foi a melhor interpretação que assisti. A voz tem um timbre único, masculino, potente, e poderoso. Na aria Ah! Fuyez, douce image no 3º acto foi arrebatador, nos duetos com a Damrau esteve sempre ao mais alto nível e, sobretudo, em Saint Sulpice, (N'est-ce plus ma main) foi superlativo! Nos momentos finais da ópera, após a morte de Manon, o desespero final de Des Grieux foi outra nota interpretativa impressionante. Para além da componente vocal, Grigolo é jovem, tem uma figura excelente e mexe-se com muita agilidade, o que o torna muito credível em cena.




Nos papéis secundários Guillot de Morfontaine foi encarnado pelo barítono francês Christophe Mortagne que foi excelente em palco, com uma interpretação cómica bem conseguida, embora não tenha estado ao mais alto nível vocal.



O barítono Dwayne Croft interpretou o De Brétigni de forma regular,



Lescaut foi interpretado pelo barítono canadiano Russel Braun, 


e o Conde Des Grieux pelo baixo-barítono francês Nicolas Testé.



Finalmente as três”meninas”, Mirelle Asselin (Poussette), Cecelia Hall (Javotte) e Maya Lahyani (Rosette) cumpriram também sem destoar.

No computo final, um espectáculo do mais alto nível, sobretudo pelas interpretações de Vittorio Grigolo e Diana Damrau.
Infelizmente, foi uma das óperas onde as fotografias dos agradecimentos finais ficaram piores.






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MANON, Metropolitan Opera, New York, March 2015

Manon by Jules Massenet is an opera based on the novel by Antoine-François Prévost L'Histoire du Chevalier des Grieux et de Manon Lescaut, novel which also was the basis of Puccini’s opera Manon Lescaut.

Manon, a young woman who will enter the convent, is desired by Guillot de Morfontaine, an old rich and dissolute man, but is protected from his investees by her cousin Lescaut. Guillot and De Brétigny are accompanied by 3 young courtesans, Poussette, Javotte and Rousette. Manon admires their clothes and lifestyle. Des Grieux meets her, falls in love and convinces her to come live with him in Paris. He writes a letter to his father to ask permission to marry her. Lescaut and De Brétigny appear and tell Manon that her lover will be kidnapped by order of his father and that if she wants to, De Bértigny can give her a life of luxury. If she refuses, she will live in poverty forever. She agrees and Des Grieux is kidnapped. Manon now lives surrounded by money and luxury, as De Brétigny lover, when she learns from Des Grieux father that he decided to devote himself to religious life after the heartbreak of love. She decides to go to meet him in Saint Sulpice. After confirming their love for each other they decide to run away together. In its luxurious lifestyle she of convinces Des Grieux to play with Guillot to make more money. Guillot loses and accuses Des Grieux of cheating, promises revenge, and calls the police. Manon is arrested and is given deportation order for Louisiana. Des Grieux, with the help of Lescaut, can bribe the guards and free Manon at the port of Le Havre. Ther are back together, reaffirm their love, make plans for the future but Manon, sick and exhausted, dies in the arms of Des Grieux.

The staging of Laurent Pelly is simple and empty, but effective. The action is brought for the period of the Belle Epoque, about a century and a half after the novel was written. In the first act the scene is topped by miniature houses and a staircase leading to the central area of ​​the stage, where much of the action takes place. In the next scene the bedroom of Manon and Des Grieux is also placed at the top of several stairs. In the beginning, Manon is a young girl dressed in very humble and innocent way. In the 3rd act on the banks of the Seine, the scenario resembles a picture of an impressionist painter. Manon appears in maximum exuberance (dress, jewelry and posture). In the next scene, in Saint Sulpice, perhaps the most remarkable of all, the reunion with Des Grieux, now priest happens after an initial rejection reaction.
The following is the scene of the game, where there is only the tables as objects on stage, with the vocals to overcome the scenic, but the glamor remains. Finally, the last scene, is a total contrast to the previous. Manon, disfigured, is dragged across the floor, kicked and insulted by guards. Only a few sober street lamps are on stage. Manon dies in the arms of Des Grieux.

Musical direction was of conductor Emmanuel Villaume.

Diana Damrau was an impressive Manon. The voice is perfectly controlled, magnificent, beautiful, with seemingly easy treble always of high quality. She was always very audible, when both sang in forte as in pianissimi. Scenically she was always very good, but I highlight the scene in Saint Sulpice and the last act.

Des Grieux interpreted by Vittorio Grigolo, who I had seen on this role in London a few years ago. Today it was the best interpretation I saw by Grigolo. The voice has a unique timbre, masculine and powerful. In the aria Ah! Fuyez, douce image on the 3rd act he was rapturous, in duets with Damrau he was always at the highest level and, above all, in Saint Sulpice (N'est-ce plus ma main) he was superlative! In the final moments of the opera, after the death of Manon, Des Grieux final desperate was another impressive interpretative note. In addition to the vocal component, Grigolo is young, has a fine figure and moves with agility, which makes his character very credible on the scene.

In supporting roles Guillot of Morfontaine was interpreted by the French baritone Christophe Mortagne who was excellent on stage, with a very good comic performance, although he has not been at the highest vocal level.
Baritone Dwayne Croft played regularly De Brétigni, Lescaut interpreted by Canadian baritone Russell Braun, and Count Des Grieux by French bass-baritone Nicolas Testé.
Finally the three "girls" Mirelle Asselin (Poussette), Cecelia Hall (Javotte) and Maya Lahyani (Rosette) were also good performers.

Overall a performance at the highest level, especially due to the interpretations of Vittorio Grigolo and Diana Damrau. Unfortunately, it was one of the operas where the curtain call photos got worse.


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sábado, 13 de junho de 2015

RIGOLETTO - Royal Opera House, Londres — Outubro 2014

(Text in English below)


Assisti à última récita da ópera Rigoletto de Giuseppe Verdi com a produção que a ROH estreou 2001 de David McVicar.

A encenação de McVicar já aqui foi comentada pelo Fanático Um numa récita de 2012.
Diria que o 1.º acto, transportando-nos para uma total orgia, distrai-nos exageradamente da música. Se é verdade que se tratava de uma festa orgiástica, o facto de nos expor deliberadamente (e em vários planos) a cenas de nudez e sexo explícito hetero e homossexual em simultâneo pode tornar-se para alguns espectadores desconfortável, o que, no meu ver, é desnecessário. Acresce que os figurantes se movimentam em palco ruidosamente e aos gritos histéricos... Em todo o caso, é realista.

(orgia do Acto I)

Depois, toda a acção se desenrola em torno de um plano inclinado rotativo que permite tornar vivas as restantes cenas, e fá-lo de um modo sublime e com um jogo de luzes muito bem conseguido, pois transmite muito bem a tensão e o sombrio desta ópera. O guarda-roupa é extraordinário e a direcção de actores muito eficaz. Trata-se, pois, de uma excelente encenação.

(visão geral do cenário rotativo)


Simon Kneelyside foi Rigoletto. A sua presença em palco foi excepcional, encarnando um corcunda rude, altivo e vingativo. A sua voz tem um timbre óptimo para o papel e uma excelente amplitude e projecção, pelo que se faz ouvir facilmente em qualquer plano da sala. O seu Cortigiani, vil razia dannata foi excelente. Tem uma prestação exemplar e é, pois, um Rigoletto desejável em qualquer sala.


Saimir Pirgu foi o Duque de Mantua. Tem uma voz com um timbre muito bonito que projecta bem e com modulações fáceis. Esteve muito bem nas árias mais famosas como Ella mi fu rapita! ou La donna è mobileAlém disso, a sua boa figura e idade jovem, fazem dele um dos mais convincentes Duques da actualidade.


Aleksandra Kurzak foi Gilda. Óptima voz de uma limpidez cristalina, boa projecção e segurança técnica, Kurzak brilhou como Gilda e fez levitar as notas de Verdi. Só se lhe podendo apontar uma falha mínima e muito bem disfarçada numa das notas altas do seu Gualtier Malde!, esteve sublime em toda a récita e o seu final no último acto foi arrepiante.

Destaque ainda para a Maddalena de Justina Gringyte que esteve em bom plano vocal e cénico e, sobretudo, para o Sparafucile de Brinkley Sherratt que teve uma performance de nível muito elevado.

A orquestra da ROH foi muito bem dirigida por Paul Griffiths, não destoando minimamente do nível elevado da récita e o Coro da ROH teve, igualmente, um bom desempenho.

(Simon Kneelyside)

(Saimir Pirgu)

(Aleksandra Kurzak)

Foi, de facto, uma récita memorável com uma qualidade de topo num dos melhores e mais belos locais para se ver ópera: a Royal Opera House de Londres.

Fica um vídeo dos aplausos no final.


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(Text in English)

I attended the last recitation of Giuseppe Verdi's Rigoletto with David McVicar production ROH premiered in 2001.

The McVicar scenario has already been commented on by Fanatic One in a 2012 recital.
I would say that the 1st act, transporting us to a complete orgy, distracts us overly music. If it is true that it was an orgiastic party, the fact that deliberately expose ourselves (and in several scene planes) to nudity and explicit heterosexual and homosexual sex at the same time can become uncomfortable for some spectators, which, in my view, is unnecessary. Moreover, the extras move on stage loud and hysterical screaming ... In any case, it is realistic.

Then, all the action takes place around a rotating inclined plane that allows make alive the remaining scenes, and it does so in a sublime way and with a very successful set of lights , that transmits very well the tension and the darkness of this opera. The wardrobe is extraordinary and the direction of actors  very effective. It is therefore an excellent staging.

Simon Kneelyside was Rigoletto. His stage presence was exceptional, embodying a rude , proud and vengeful hump. His voice has a wonderful tone for the role and excellent amplitude and projection, so it is easily listen in any room of the hall. His Cortigiani, vil razza dannata was excellent. Has an exemplary performance and is therefore a desirable Rigoletto in any opera hall.

Saimir Pirgu was the Duke of Mantua. He has a voice with a beautiful tone that projects well and easily modulates. He did it very well in the most famous arias as Ella mi fu rapita! or La donna e mobile. In addition, his good figure and young age make him one of the most convincing Dukes of today.

Aleksandra Kurzak was Gilda. She has a great voice of a crystalline clarity, good projection and is technically secure, Kurzak did shine as Gilda and made levitate the Verdi notes. It can only pointed minimal flaws namely a minimal and very well disguised fault in one of the highest notes of her Gualtier Malde! But she was sublime throughout the recital and the final in the last act was creepy.

Also noteworthy was the Maddalena by Justina Gringyte who was in good voice and scenic plan and, above all, to Sparafucile by Brinkley Sherratt who had a very high level of performance.

The orchestra ROH was very well led by Paul Griffiths, not clashing minimally the high level of recitation and the ROH Choir has also performed well.

It was indeed a memorable recital with top quality at one of the best and most beautiful places to see opera: Royal Opera House in London.

domingo, 7 de junho de 2015

THE RAKE'S PROGRESS - A Carreira do Libertino, Teatro de São Carlos, Lisboa, Junho de 2015


 Texto de José António Miranda, um colaborador regular deste espaço, que faz o contraponto ao texto anteriormente publicado pelo Fanático_Um e que, mais uma vez, muito agradecemos.

THE RAKE'S PROGRESS - A Carreira do Libertino, Ópera em três Actos (1951) de Igor Stravinsky. Libreto W.H. Auden e Chester Kalman, inspirado em A Carreira do Libertino, conjunto de oito pinturas e gravuras, de William Hogarth.
Direcção musical: Joana Carneiro. Encenação: Rui Horta. Cenografia: Rui Horta. Luz: Rui Horta. Roupas: Pepe Corzo.
Tom Rakewell: Tuomas Katajala
Anne Truelove: Ambur Braid
Nick Shadow: Luís Rodrigues
Baba, a turca: Maria Luísa de Freitas
Truelove, pai de Anne: Nuno Dias
Sellem, o leiloeiro: Carlos Guilherme
Mother Goose: Catia Moreso
Guardião do Hospício: João Oliveira
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Coro do Teatro Nacional de São Carlos (Dir: Giovanni Andreoli)
Contínuo: Joana David (cravo)
Produção: TNSC  (2015)

Fotografia de Carmo Sousa / TNSC

Afinal parece que é ainda possível ver no São Carlos uma nova produção de autores nacionais perfeitamente aceitável, e de qualidade mesmo muito superior à de algumas produções importadas, e de má memória, com que fomos brindados nos últimos tempos.

O facto de a equipa responsável por tal programação não estar já em actividade no teatro (em rodapé de uma das páginas iniciais, e num corpo minúsculo, a administração da OPART ""agradece a Paolo Pinamonti o contributo criativo para este espetáculo"), não impediu o espectáculo de encerrar do melhor modo a presente temporada

Aquele facto no entanto deixa-nos todavia mais apreensivos em relação ao próximo futuro do nosso teatro de ópera, provavelmente o único de uma capital europeia do qual ainda se desconhece totalmente a programação para a próxima temporada. Mas isso é outra conversa.

Quanto ao espectáculo em si serviria, se tal fosse necessário, para fazer a demonstração de que é possível conceber uma produção operática de qualidade sem grandes recursos.

                                 Fotografia de Carmo Sousa / TNSC

Através da utilização de uma cenografia singela mas plena de potencialidades expressivas (um estrado em cunha, truncado, permitindo múltiplas configurações e usos, uma mesa e duas cadeiras minimalistas e polivalentes, duas árvores, um tapete, algumas grades e pouco mais) o encenador Rui Horta consegue conduzir-nos com prazer pelos variados ambientes nos quais decorre a acção.

Para tal, e para além de algumas projecções de imagens no fundo do palco, indicativas de local ou de ambiente, usa inteligentemente dois recursos: a luz e a coreografia.
No respeitante ao primeiro, o desenho da iluminação, importa referir que marca um progresso notável em relação ao que é habitual ver neste palco. Percebe-se que o encenador quis usar este recurso como ferramenta expressiva, ao contrário do que estamos habituados a ver ali, onde a luz é frequentemente usada apenas para nos permitir ver (e muitas vezes mal) o que se passa em palco.

                                        Fotografia de Carmo Sousa / TNSC

Esta determinação de integrar a luz no leque de recursos expressivos disponíveis é tanto mais necessária quanto maior o minimalismo cenográfico adoptado.

De facto a opção minimalista comporta o risco de deixar as situações encenadas apenas em esboço, como apontamentos visuais sem profundidade nem consistência. E a luz é então um dos principais recursos ao dispor do encenador inteligente para ultrapassar este problema.

Percebe-se e louva-se portanto que Rui Horta tenha querido usá-la adequadamente, mas também se compreende que, não tendo ao seu dispor um verdadeiro técnico de iluminação e não o sendo ele próprio, o resultado não seja perfeito e revele ainda alguma imaturidade e inabilidade.

                                 Fotografia de Carmo Sousa / TNSC

Apesar dessa inabilidade, particularmente evidente no modo como foram feitas algumas transições entre quadros, e de alguns desacertos reveladores de deficiente concepção da funcionalidade expressiva, como na cena final do terceiro acto, pudemos presenciar alguns momentos de grande beleza plástica e densidade dramática.

Quanto à coreografia a situação é diversa. Rui Horta é acima de tudo um coreógrafo, e isso foi evidente em todos os momentos do espectáculo.

Com grande mestria conceptual e técnica o encenador faz evoluir no palco (e não só, pois o coro é colocado por momentos fora dele) todos os personagens, desde o protagonista principal até ao último elemento do coro, e mesmo os movimentos dos assistentes de palco na mudança e deslocação de adereços são coreografados.
Embora esta última opção possa parecer desadequada, ela introduz de facto no conjunto do espectáculo um carácter cerimonial que não é incompatível com o facto de este ser constituído pela exposição de um conjunto de quadros.

                                Fotografia de Carmo Sousa / TNSC

A ópera é de facto o retrato em cena de um conjunto de gravuras que serviram de inspiração para os seus autores. Imprimindo à exposição cénica dessas imagens alguma solenidade cerimonial, o encenador coloca-nos assim em sintonia com a natureza formal da partitura, um permanente piscar de olho ao classicismo, ao mesmo tempo assimilado e distorcido.

O movimento dos assistentes de palco pode assim ser lido como metáfora imagética dessa opção do compositor: os criados também dançam de algum modo neste teatro clássico da vida moderna.

Quanto aos restantes protagonistas, a exploração sistemática do espaço é feita com grande poder expressivo, atingindo-se mesmo por vezes momentos de grande beleza plástica e poética, como na sublime viagem de Anne ao encontro de Adónis na mesa transformada em gôndola sob o comando tranquilo de Truelove.

                                 Fotografia de Carmo Sousa / TNSC

Já no que se refere ao terceiro recurso fundamental num contexto de encenação como este, o trabalho com os actores, a situação não foi tão positiva.
Tudo se passa como se não tivesse sido feito com os cantores qualquer trabalho de definição do registo expressivo adequado ao contexto cénico desenhado. E portanto, como é normal, eles terão feito consciente ou inconscientemente a sua opção subjectiva.

Se no caso de Luís Rodrigues essa opção é coerente conferindo ao personagem de Shadow um peso e uma densidade dramática acima de todos os outros, de facto o conjunto mostra uma inconsistência global que impede genericamente o desenvolvimento de qualquer tipo de discurso organizado e coerente. Facto aliás consistente como o modo como foi feita a direcção musical, num estrebuchar alado de marcação de compassos, um estertor mecanicista que chegou ao extremo de se manter nos recitativos, sem qualquer subtileza expressiva ou profundidade narrativa.

Apesar destes problemas de unidade discursiva, de que a recepção do Epílogo pelo público foi um mero indicador, o espectáculo constituiu sem dúvida um marco francamente positivo na presente temporada do teatro lírico nacional.

José António Miranda     05/06/2015  

Escrito em português. Acordo ortográfico não, por favor.