sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

NORMA, English National Opera, Fevereiro de 2016 / February 2016

(in English below)

A produção da Norma de V. Bellini na English National Opera foi da responsabilidade de Christopher Alden.
A encenação é muito má. A acção foi transportada para uma comunidade rural algures no século passado e tudo se passa num palco rodeado de cadeiras de madeira e com um grande tronco suspenso a meio, que sobe ou desce ao longo da acção. Tudo é muito estático, os cantores são frequentemente colocados em posições muito incómodas para o canto, sem qualquer interesse cénico. O Pollione e o Flavio aparecem de cartola, como cobradores de impostos. O Oroveso, pai da Norma e os filhos estão quase sempre presentes (mas apenas isso) num canto do palco. A cena mais gratuita é no 3º acto, em que o Flavio é castrado pela Clotilde, com uma foice. Para mim, uma encenação sem qualquer interesse.



O maestro Stephen Lord esteve bem e a orquestra também, permitindo-nos desfrutar de toda a beleza musical da obra.

Já em relação aos cantores, foi diferente. A Norma foi cantada pelo soprano australiano Katrina Sheppeard, uma substituição de última hora. Teve uma boa presença em palco e vocalmente cumpriu com dignidade este exigente papel. No final cantou mais em esforço, mas esteve bem.

Excelente foi a Adalgisa do mezzo norte americano Jennifer Holloway. Voz muito bonita, escura, afinada e poderosa. Em palco foi exemplar.

O Pollione do tenor britânico Peter Auty foi o ela mais fraco. A encenação nada ajudou a parte cénica, mas a voz, apesar de bem audível, era algo baça e pouco emotiva. Parecia que estava a cantar atrás de uma parede.

Em papéis menores, Valerie Reid como Clotilde e James Creswell como Oroveso cumpriram e contribuíram para o bom desempenho vocal da récita.






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NORMA, Englisn National Opera, February 2016


The production of V. Bellini's Norma at the English National Opera was directed by Christopher Alden.
The staging was bad. The action was taken to a rural community somewhere in the last century and everything happens on a stage surrounded by wooden chairs and a large trunk suspended in the middle, which rises or falls along the action. Everything is static, the singers are often placed in very uncomfortable positions for singing, without any scenic interest. Pollione and Flavio appear with top hats, as tax collectors. Oroveso, father of Norma, and the children are almost always present (but no more than that) in a corner of the stage. The most stupid scene is in act 3 when Flavio is castrated by Clotilde with a sickle. For me, a staging without any interest.

Conductor Stephen Lord has been good and the orchestra too, allowing us to enjoy all the musical beauty of the work.

In relation to the singers, things were different. Norma was sung by Australian soprano Katrina Sheppeard, a last minute replacement. She had a good stage presence and vocally fulfilled with dignity this demanding role. At the end she sang more in effort, but she was good.

Excellent was the American mezzo Jennifer Holloway as Adalgisa. The voice was very beautiful, dark, refined and powerful. On stage she was flawless.

British tenor Peter Auty was Pollione, the weakest among the soloists. The staging did not help him at all. The voice, though very audible, was something dull and little emotional. It seemed that he was singing behind a wall.

In smaller roles, Valerie Reid as Clotilde and James Creswell as Oroveso contributed to the good vocal performances.


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sábado, 20 de fevereiro de 2016

Tosses! e WINTERREISE, Fundação Gulbenkian. Fevereiro de 2016



Assisti ontem na Fundação Gulbenkian à Winterreise (Viagem de Inverno), ciclo de canções de F. Schubert com base em poemas de Wilhelm Müller, numa produção multimédia originária do Festival d’Aix-en-Provence, com encenação e criação visual de William Kentridge.



Imediatamente antes do início do espectáculo, entrou em palco o director do Serviço de Música da Gulbenkian, o finlandês Risto Nieminen que, num português muito aceitável, pediu ao público para desligar os telemóveis e para não tossir, o que quebraria a concentração do cantor!! (Até demonstrou como, em necessidade imperiosa, se deveria proceder). Repetiu em inglês, mas apenas pediu para desligar os telemóveis. Logo por detrás de mim uns estrangeiros comentaram que se podia tossir apenas em inglês... E, sabem que mais, o pedido foi eficaz!! Praticamente não se ouviram tosses e, as poucas que ouvi, foram nos intervalos das canções! Por favor Risto, volte sempre!!

Já muitas vezes eu e outros autores deste blogue salientámos a excessiva frequência com que o selecto público da Gulbenkian tosse nos concertos e, quando começam as tosses, propagam-se exponencialmente, como se de uma competição se tratasse, tipo “vamos ver quem tosse mais alto” ou “vamos ver quem consegue perturbar mais o espectáculo” ou “vamos estabelecer um diálogo tússico a muitas vozes”! Ter o director da Música da Gulbenkian a pedir para não se tossir só prova que, de facto, o desrespeito dos “tossidores” pelos outros é marcante! E a prova de que é um fenómeno que mereceria uma análise, no mínimo, comportamental e psico-sociológica, foi o que assistimos ontem, em pleno inverno e num dia de frio em que, depois do puxão de orelhas, não se tossiu! Repito o apelo – Risto, volte sempre!!

O espectáculo foi visualmente muito interessante, mas o que mais interessava era a música. A interpretação foi de elevado nível. Markus Hinterhäuser ao piano foi fabuloso na forma como interpretou as canções de Schubert e, para mim, foi o melhor de todo o espectáculo.



O conceituado barítono alemão Mathias Göerne não deixou os seus créditos por mãos alheias e também nos ofereceu uma interpretação marcante em sensibilidade e intensidade dramáticas, para as quais muito contribui a qualidade e beleza invulgar do timbre vocal. O único senão foi a inspiração ruidosa que ocasionalmente fez, que muito perturbou a beleza da interpretação vocal.

Foi um excelente espectáculo mas, o que mais o marcou, foi a eficaz intervenção de Risto Nieminen pedindo, apenas aos portugueses, para que não tossissem!!


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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

DIALOGUES DES CARMÉLITES. Teatro Nacional de S. Carlos (Lisboa), Fevereiro de 2016




O blogue "Fanáticos da Ópera" agradece mais esta excelente contribuição de José António Miranda:

DIALOGUES DES CARMÉLITES    (Francis Poulenc)
Ópera em três Actos   (1957)
Libreto de Emmet Lavery, baseado num argumento cinematográfico de Georges Bernanos para o filme Le dialogue des Carmélites, de Raymond-Léopold Bruckberger e Philippe Agostini, argumento inspirado no romance Die letzte am Schafott, de Gertrud von Le Fort, por seu turno baseado nos escritos de uma funcionária religiosa católica de Compiègne.

Direcção musical: João Paulo Santos
Encenação: Luis Miguel Cintra
Cenografia: Cristina Reis
Roupas: Cristina Reis
Luzes: Luis Miguel Cintra, Cristina Reis,  Rui Seabra, Paulo Godinho

Marquês de la Force: Luís Rodrigues
Blanche de la Force: Dora Rodrigues
Cavaleiro de la Force: Mário João Alves
Madame de Croissy, Primeira Madre Superiora: Ana Ester Neves
Madame Lidoine, Segunda Madre Superiora: Ana Paula Russo
Madre Marie de l’ Incarnation: Maria Luísa de Freitas
Irmã Constance de St. Denis: Eduarda Melo
Padre Capelão: Carlos Guilherme
Irmã Mathilde: Teresa da Neta
Madre Jeanne de l’Enfance du Christ: Carolina Figueiredo
1º Comissário: João Terleira
Monsieur Javelinot / 2º Comissário / 1º Oficial: Ricardo Panela
Thierry / Carcereiro: Christian Luján
Madre Gerald: Helena Vieira
Irmã Antoine: Helena Afonso
Irmã Catherine: Mariana Castello Branco
Irmã Félicie: Ariana Russo
Irmã Gertrude: Sara Afonso
Irmã Alice: Rita Marques
Irmã Valentine: Rita Crespo
Irmã Anne de la Croix: Inês Madeira
Irmã Marthe: Catarina Rodrigues
Irmã Claire: Nélia Gonçalves
Irmã Saint-Charles: Rita Tavares
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Coro do Teatro Nacional de São Carlos    Dir: Giovanni Andreoli
Produção: TNSC (2016)
Co-produção: Teatro da Cornucópia

Com recurso a um vasto elenco de cantores nacionais, que reúne um notável conjunto de vozes de jovens intérpretes e algumas figuras emblemáticas do São Carlos da década de 80 do século passado, conseguiu o nosso primeiro teatro lírico apresentar um espectáculo de grande beleza plástica, e de qualidade acima do habitual no seu palco nos últimos tempos.

Para tal sucesso bastou-lhe associar-se nesta produção à equipa do Teatro da Cornucópia, e entregar a direcção musical do conjunto ao maestro da casa, João Paulo Santos. O resultado surpreendeu pela positiva.
Sob o ponto de vista dramatúrgico o encenador escolheu uma abordagem austera e rigorosa, que se traduz cenicamente no despojamento e simplicidade dos cenários.  Estes são constituídos por grandes painéis que se deslocam no espaço cénico, e de algum modo delimitam e enquadram o tempo da narrativa.

Pela sua extrema singeleza esta opção cenográfica faz concentrar a nossa atenção no conteúdo dramático da obra, conferindo-lhe desse modo uma universalidade que extravasa o concreto contexto a que se refere o libreto.

Para tal compreensão contribui também fortemente o cuidadoso trabalho de actores realizado com os cantores. Estes conseguem assim, na sua maioria, obter uma assinalável expressividade dramática.
Simultaneamente os movimentos adoptados em palco, os dos cantores isolados ou os de grupo, habilmente conjugados com as movimentações de cenários, pontuam a cronologia da narrativa cénica contribuindo de forma decisiva (nem é necessário abrir ou fechar a cortina do palco) para acentuar o seu trágico desenlace.

Complementando estes vectores da componente teatral da obra deve realçar-se o notável trabalho realizado com a luz, cuja qualidade supera largamente o habitual neste teatro, conseguindo por vezes quadros de extraordinária beleza e profunda expressão plástica.

Sob o ponto de vista musical, a primeira e imediata diferença verificou-se a nível da orquestra. É evidente que continua a ser claro que a orquestra do teatro não existe actualmente como tal, nem aliás seria possível esperar tal milagre no contexto da sua actividade recente.
Mas sob esta direcção (JP Santos) ela melhorou muito, e embora seja claro o seu funcionamento irregular, com altos e baixos ditados não se sabe bem por quê, a expressividade existe e passa para fora do fosso, graças a uma direcção musical inexcedível de rigor.

Um pouco do mesmo se passou com os cantores nos papéis principais, marcando claramente o resultado do trabalho colaborativo que se adivinha ter existido na fase de preparação do espectáculo: alguns altos e alguns baixos como é normal, e um extraordinário empenhamento e vontade expressivos por parte de todos.

Como pontos altos do trabalho lírico destacaram-se Dora Rodrigues e Maria Luísa de Freitas. No amplo conjunto de intérpretes importa porém salientar a prestação do barítono Ricardo Panela, estreante neste palco, que apesar de ter apenas a seu cargo pequenos papéis secundários foi de longe o melhor em cena.

Trata-se de um cantor com um timbre belíssimo e notáveis qualidades técnicas e expressivas, no início de uma carreira que, se tudo se passar como é habitual no São Carlos, teremos provavelmente que seguir fora do país nos tempos mais próximos.

No final, meditando perante a beleza que nos é desvendada da partitura de Poulenc e a actualidade flagrante do libreto, neste momento em que terror, violência, martírios e mortes são parte substancial do contexto diário, perante a simbólica despojada da encenação, fica porém no ar o sabor amargo de não podermos ter sabido como seria o espectáculo se esse despojamento cenográfico tivesse sido mais trabalhado.

Como seria se, para além de não haver cruzes em cena, as freiras não usassem o hábito carmelita? Como seria se usassem burkas, por exemplo? Como seria se o capelão aparecesse vestido como um imã? Como seria se nenhum símbolo religioso específico fosse mostrado em cena? Como seria …? Como seria…?


JAM    06/02/2016