sábado, 27 de agosto de 2016

WILLIAM PEREIRA TRANSFORMA "O ANÃO" EM OBRA PRIMA



Crítica de Ali Hassan Ayache no Blog de Ópera e Ballet

Beleza física nunca foi um dos atributos do compositor Alexander Von Zemlinsky e consequentemente a mulherada não o via como um galã ou símbolo sexual. A rejeição o atraiu para compor "O Anão", baseado no conto de Oscar Wilde (este rejeitado em sua época por ser homossexual) "O Aniversário da Infanta". O texto é pra lá de maluco, fala de uma infanta que ganha de presente um anão com problemas físicos e que nunca se olhou no espelho. O catatau se julga boa pinta e tem a ousadia de se apaixonar pela infanta. Quando declara seu amor a ela e se olha no espelho a ficha cai e todos os dramas do mundo desabam sobre suas costas.
   
Rejeição, indiferença e intolerância são características inerentes do ser humano desde sua existência e estão marcadas no libreto. As dores e traumas do personagem central foram explorados de forma única pela competente direção de Willam Pereira na apresentação do Theatro São Pedro/SP. Sua visão favorece o psicológico, atua na mente e no imaginário onde os personagens falam através de gestos e expressões. Cada um a sua maneira está inserido em um contexto social e se mostra de forma linear.
   
O cenário de Renata Pati e Karina Machado não tem grandes palácios ou salões nobres, os figurinos  de Olintho Malaquias mostram o temperamento de cada personagem e a luz de Fabio Retti leva a um casamento das cenas. O branco total do cenário remete a pureza e a inocência sentimental do Anão, os cubos interagem movimentando-se e formando cenas imaginárias e o teto é um requinte de cores em fios que descem como uma chuva de pétalas. Willam Pereira faz um teatro moderno, antenado com o enredo que através da imaginação leva o espectador à reflexão. Foge dos clichês atuais onde todos tem que defender as causas dos excluídos, devem amar os animais de estimação e a natureza. 
   
O problema é que o diabo mora nos detalhes e esses que se mostram corretos e defensores das grandes causas sempre tem uma atitude não tão correta ou um pensamento nem sempre "adequado". Pereira mostra o drama humano e nada é mais importante que isso. Simplesmente perfeito na sua concepção. Você pode não gostar dos críticos William, às vezes os críticos gostam de você.
   
A Orquestra do Theatro São Pedro comandada por André dos Santos apresentou sonoridade volumosa e densa, realçando a força da música de Zemlinsky em prol da delicadeza das notas. O Coro sempre afinado e recheado de solistas da casa cantou com sonoridade esplendida. Os solistas mostraram competência para encarar as difíceis passagens: Gustavo Lassen evolui a cada apresentação, voz de baixo com excelentes graves. Mar Oliveira faz um Anão denso e dramático cenicamente conciliando um timbre que não é dos mais agradáveis embora combine com as dores do personagem. A Infanta interpretada por Maria Sole Gallevi cantou com um timbre delicado e técnica correta, atuação cênica correta e linear. 
  
 Mais uma vez o teatro da Barra Funda traz títulos raros em montagens com roupagem moderna, que privilegia os cantores da casa e solistas brasileiros de extrema qualidade. Enquanto isso na Praça Ramos o clima é de poucos amigos, com o titular depondo em CPIs da Prefeitura Municipal e tendo a quebra de sigilo eletrônico decretada pela justiça. Quanta diferença! 


Ali Hassan Ayache

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

TENOR JONAS KAUFMANN ESTÁ ACIMA DOS MORTAIS



Crítica de Ali Hassan Ayache no blogue de Ópera e Ballet.

  Para comemorar os 35 anos de sua fundação o Mozarteum Brasileiro trouxe, pela primeira vez ao Brasil, um dos maiores tenores da atualidade, Jonas Kaufmann. Não faltam adjetivos para glorificar a voz e as interpretações do grande tenor alemão na crítica especializada. Posso afirmar, após assistir ao recital do dia 10 de Agosto na Sala São Paulo, que todos os comentários positivos estão corretos.

   Muitos reclamaram do programa, eu inclusive torço o nariz quando vejo apenas canções de compositores românticos. Sempre queremos árias de óperas. A voz de Kaufmann faz esquecer Toscas, Rigoletos e Carmens. Uma voz única, exclusiva e munida de uma técnica impecável foi apresentada com um timbre sublime. Homogenia em todos os registros, consegue ter agudos brilhantes, médios excelentes e graves consistentes. A invulgar beleza timbrica é aliada a uma projeção ímpar, onde todas as notas são emitidas com clareza exuberante. Sentado no balcão mezanino da Sala São Paulo parecia que o tenor cantava ao meu lado.

   O programa inicia com as belas canções de Schubert e Schumann. O ponto alto foram os "Três Sonetos de Petrarca" de Liszt e as canções de Strauss. Nelas o tenor exibiu toda a dramaticidade, lirismo e sentimentos expressos na música desses grandes compositores. Do alegre ao triste, do cômico ao dramático: Kaufmann passeia pelos sentimentos humanos com facilidade e velocidade espantosa. Faz o canto lírico complexo parecer fácil.

   O bis foi um espetáculo à parte, voltou cinco, alguns dizem seis vezes e mandou petardos operísticos como "Recondita Armonia" da ópera "Tosca" de Puccini e a grande ária da "Adriana Lecouvreur" de Cilea. Arriscou cantar em português a empolgou a todos. Um dos maiores tenores da atualidade se apresenta no Brasil no auge vocal e técnico. Kaufmann esta acima dos pobres tenores mortais, vive em outra dimensão, no olimpo dos cantores líricos.

Ali Hassan Ayache