segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

FOSCA, de Carlos Gomes, Theatro Municipal de São Paulo, Dezembro de 2016


PROTAGONISTA DE FOSCA MERECE SER VAIADA

Crítica de Ali Hassan Ayache do blogue de Ópera e Ballet.

As melhores óperas de Carlos Gomes são Fosca, Lo Schiavo e Il Guarany. O primeiro lugar depende do gosto do freguês. A mais famosa no Brasil é Il Guarany devido à abertura que ganhou fama e ódio ao abrir o programa A Voz do Brasil, será que ele existe ainda? O maior compositor de óperas das Américas sempre foi menosprezado em sua terra natal, poucas são as montagens e raras são as gravações.

Da Fosca só conheço em vídeo uma versão gravada na Bulgária e outra em forma de concerto gravada no Memorial da América Latina. Em DVD comercial só existe uma versão da ópera Il Guarany de 2007 do Festival de Ópera do Theatro da Paz de Belém do Pará. O próprio Theatro Municipal de São Paulo esquece Carlos Gomes, a última vez que ele teve um título apresentado foi no longínquo ano de 2005 com Condor. Quando foi anunciada Fosca pelo TMSP foi um misto de felicidade e raiva. Será que nenhum diretor cênico brasileiro tem condições de fazer essa ópera? A opção por um estrangeiro tem seus certos e lambanças como veremos abaixo.


Stefano Poda continua fazendo tudo na ópera. Dirige a ação, desenha os cenários, figurinos e a luz. Consegue ser até coreografo, contratá-lo é sinônimo de um estilo único. Esta característica denota qualidade e seu maior defeito. Antenado com o mais moderno teatro de ópera Poda consegue transformar cada cena em um quadro ou gravura iluminada pelo branco total radiante. A sutileza de sua visão está nos detalhes, no minimalismo e no monocromático. Soluções inteligentes retratam as cenas, a cidade de Veneza é representada em uma maquete no alto de um painel que se move e o botim dos piratas na parte de baixo. O globo no centro e no alto representa o xilindró em diversas passagens do libreto, saídas espertas que induzem a imaginação. A luz é um primor de excelência que casa perfeitamente com as cenas e os figurinos mornos não acrescentam muito. O cenário é repetido à exaustão, um globo que sobe, um painel que gira ou paredes que descem não é suficientes para acabar com a monotonia do sobe e desce.

O estilo único presente no trabalho de Stefano Poda é moderno e atual o problema é que se torna repetitivo na sequencia dos seus trabalhos e no conjunto de sua obra. Assistimos sua "Thaïs" de Massenet em 2015 e as comparações são inevitáveis. Parece ser a mesma ópera, o globo está presente no centro e a ambientação é idêntica. O que era uma novidade passa a ser uma monotonia repetitiva com as mesmas cores e mesmo estilo. Assim fica fácil caro Poda, você desenvolve um jeito de fazer ópera e o repete em todos os títulos, a primeira vez é criativo na segunda perde a graça e na terceira nem vou assistir. A ação dos solistas segue o ritmo lento proposto, a coreografia é de bom gosto embora fazer os bailarinos baterem palmas poluí a música de Carlos Gomes e todas aquelas frases em latim que ninguém entende destoam de piratas e venezianos em luta aberta. 

A protagonista foi um desastre vocal. Chiara Taigi se apresentou no dia 08/12/2016 sua Fosca tem voz seca, sem brilho e opaca. Fugiu ou não consegue dar os difíceis agudos da partitura. Existem dois culpados por tamanha afronta vocal a Carlos Gomes: quem a escalou e a própria por aceitar cantar uma personagem completamente inadequada a sua voz. Foi duro aguentar as barbeiragens técnicas que cometeu para tentar compor vocalmente Fosca. Conseguiu ser o soprano mais encoberto da história do Municipal, umas trezentas vezes. Em um teatro sério seria vaiada e tomates voariam no palco, como estamos no Brasil os aplausos foram efusivos.

Masami Ganev conseguiu imprimir bons agudos para a personagem Delia, a moça não se intimidou com sua estreia no Municipal e mostrou um talento natural para o canto e para a interpretação. Sung Kyu Park cantou um Paolo mediano, sem brilho e vivacidade. Luis-Ottavio Faria fez um primeiro ato morno para crescer nos demais, vozeirão com belos graves.

O dono da noite, o rei da cocada foi Leonardo Neiva. Barítono com voz grande que enche a sala com todos os registros saindo com qualidade superlativa. Emissão e técnica impecáveis unidos a uma atuação cênica que prima pelos detalhes na interpretação do personagem Cambro. Leonardo Neiva já foi eleito por este blog como Melhor Cantor Solista do ano de 2012. 

A Orquestra Sinfônica Municipal regida por Eduardo Strausser esteve mediana, faltou o impacto e a dramaticidade inerente à música de Carlos Gomes. Strausser imprimiu uma regência burocrática e sem pegada, somente os solos instrumentais se salvaram. O Coro Lírico Municipal de São Paulo é recheado de solistas e apresentou-se com naipes equilibrados e sonoridade de grande qualidade. O Balé da Cidade de São Paulo seguiu risca o solicitado pelo coreografo-diretor com uma coreografia que trafega entre o abstrato e o contemporâneo da dança. 


Encerrada a temporada ficam milhões de dúvidas para o ano vindouro. O futuro do TMSP parece incerto para a maioria e especulações aparecem por todos os lados. A nova administração municipal ainda não se pronunciou oficialmente, o que tenho ouvido de minhas fontes é que a legião estrangeira de cantores medianos continuará a frequentar o palco da nossa casa, sempre em detrimento dos nossos cantores. Espero que minhas fontes estejam erradas. 
Ali Hassan Ayache  

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